DECEMBER 9, 2022

Arte é esperança para fixar jovens em território xacriabá

No Norte de Minas, Nei Xakriabá ensina à comunidade que é possível viver da produção de cerâmica

O ceramista Nei Xakriabá retrata a identidade indígena em suas peças Foto: Flávio Tavares/ O TEMPO

O ceramista Nei Leite Xakriabá, 43, foi professor de cultura indígena na aldeia Barreiro Preto, em São João das Missões, no Norte de Minas. Agora, ele deixou a sala de aula para se dedicar inteiramente à arte, mas nunca abandonou o ensino, nem pretende fazer isso. Ele tem um sonho. “O meu desejo e o do meu povo é que os jovens permaneçam aqui, nos territórios, envolvidos com as práticas tradicionais e deixem de procurar trabalho nos grandes centros. Eu sonho com que nossos jovens despertem para a cerâmica, pois, além de garantir que esse conhecimento ancestral chegue a novas gerações, eles terão uma ótima oportunidade de geração de renda”, diz.

Nei é formado em educação indígena pela UFMG e deu aulas por 20 anos, tempo em que simultaneamente produzia peças em cerâmica que retratam a identidade de seu povo. Além de feiras, seu trabalho é constantemente em exposições dentro e fora do Brasil. O artista já teve peças no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e até na China e na Turquia.

O tema da dissertação de mestrado dele é “Arte indígena Xakriabá: com um pé na aldeia e outro pé no mundo”. “Eu decidi parar de dar aulas porque me tomava muito tempo. E percebi que os jovens não estavam tão interessados naquele modelo. Então, eu me desliguei do sistema convencional da escola, mas sigo ensinando para a comunidade, com oficinas. Hoje, vivo exclusivamente da cerâmica e tenho tanta demanda que às vezes nem dou conta. Por isso, estou tentando convencer os jovens a se envolverem mais”.

Assim como o artista tem transitado por vários espaços fora da aldeia, a esperança dele é mostrar aos jovens que eles também podem fazer isso por meio da cerâmica. “Como vivemos em uma região muito seca, onde quase não conseguimos produzir alimentos, precisamos ser cada vez mais empreendedores para comercializar nossos objetos de maneira cuidadosa, respeitando a natureza e contando nossa história através da arte”, analisa.

Na missão de multiplicar os conhecimentos ancestrais, que aprendeu com a mãe, Nei segue ensinando pelas aldeias Xakriabá. Ele monta oficinas para a comunidade, em que mostra como encontrar a matéria-prima na natureza e ensina técnicas de modelagem do barro, acabamento e pintura. E até mesmo o forno, utilizado para a queima das peças de cerâmica, o artista ajuda a construir. Foi o que ele fez para a família de Zé de Jacinto, na aldeia Barra.

Eu reuni meus filhos e netos, e o Nei veio aqui para ensinar e fez o forno para gente assar as peças. Ainda não estamos assim tão bons, mas vamos continuar a praticar. Essa presença dele é muito importante, porque ele é um cara incentivador. Leva nossas peças, negocia, vende e traz o dinheiro para gente. Para nós, essa renda ajuda muito, porque o lugar onde a gente vive é muito fraco”, conta Zé de Jacinto, que já faz peças de madeira.

O antropólogo Pedro da Maura avalia que, no caso de comunidades tradicionais, o conceito de empreendedorismo ultrapassa a ideia de lucro. “Esses povos criam suas culturas de seus processos e têm suas visões de mundo, independentemente da existência de um mercado. Então, do ponto de vista da existência da comunidade, quando falamos em empreendedorismo ancestral, é uma forma de cultura muito maior do que a ideia de se criar uma mercadoria”, analisa.

Pedro da Maura ressalta ainda que as tradições não surgiram pautadas por um mercado. “Mas, a partir do momento em que o mundo de hoje, todas as coisas são potenciais mercadorias, a tradição se adéqua à sobrevivência dessas comunidades, que costumam ser violentadas por esse modo de vida em que tudo é mercadoria”, afirma.

Ensinamentos que atravessam famílias

Quem ensinou Nei Xakriabá a transformar o barro em peças de cerâmica que contam a história do povo indígena foi a mãe dele, Dalzira Leite, 63. Ela aprendeu cedo, aos 10 anos, vendo a tia moldar bichinhos do Cerrado. “Meu pai era caçador. Então, quando ele trazia os bichos, eu copiava. Fazia tatu, gato-do-mato, veado, cutia, paca. Também fazia bonecas de barro. Só que, naquela época, eu não queimava as peças, e elas ficavam mais frágeis”, conta Dalzira Leite, que hoje ensina na escola.

Ela viu a tradição da cerâmica se enfraquecer aos poucos, até quase desaparecer. Mas também viu a chegada de novas técnicas reanimar a produção. “Essa cultura já estava sendo esquecida. Quando Nei quis aprender, mais ou menos em 2007, ele descobriu novos jeitos de fazer a queima. Antes, a gente fazia a céu aberto”, lembra Dalzira.

“Foi quando um professor de cerâmica da Universidade de São João del-Rei veio aqui pesquisar argilas e viu que nosso forno gastava muita lenha e nos ajudou a construir um fechado, que estabiliza melhor a temperatura e faz uma queima mais homogênea das peças”, explica Nei.

A mãe dele, que ainda dá aulas e oficinas, está preocupada com os jovens. “Eles agora não estão com tanto interesse. Mas, sempre que nos procuram,nós ensinamos. Muitos querem trabalhar na escola, mas lá não cabe todo mundo. Então, a gente fala para eles que a cerâmica pode ser um sustento”, diz Dalzira

 

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