DECEMBER 9, 2022

O norte para uma vida melhor está na educação

Última reportagem da série “A educação superior no Norte de Minas”

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Nesta última reportagem da série “A Educação Superior no Norte de Minas”, você vai conhecer um pouco da história de Guilherme Rodrigues, Herisson Henrique e Érika Soares, três jovens que sonharam e acreditam em seus projetos de vida. A educação é o ponto de encontro dos três profissionais, que apostaram tudo na educação e construíram trajetórias que mesclam superação e sucesso.

Para ter a oportunidade de ingressar no ensino superior, Guilherme Rodrigues saiu do município de Manga (MG) com 18 anos para vir para Montes Claros com tudo o que tinha, apenas R$30,00 em seu bolso. Após enfrentar diversos desafios ao longo dos anos, o jovem tornou-se um renomado professor de Literatura da região/ Foto: Arquivo pessoal

Por Keisi Pinheiro

Mal sabia ele que ouvir aquelas histórias de Monteiro Lobato o ajudariam a chegar aonde está hoje. Antes mesmo de ser professor de Literatura, Guilherme Rodrigues teve contato com a leitura desde muito cedo. Sua mãe, dona Raimunda Rodrigues, que apenas cursou até a 4° série, gostava de ler e contar histórias infantis. O prazer pela leitura era tão grande que aos quatro anos de idade o garoto decorou um livro inteiro de histórias de tanto insistir para a mãe recontar a obra; as pessoas acabavam por acreditar que ele já sabia ler.

Nascido em São Paulo, na primeira metade da década de 1980, Guilherme foi criado no Município de Manga, interior de Minas Gerais, pela mãe e pela avó materna, dona Amélia Augusta. De uma família com um modesto poder aquisitivo e sem dinheiro para investir nos estudos, ele sabia que não conseguiria realizar um curso superior no município – que na época não possuía faculdades – e que seu futuro na educação seria praticamente impossível.

Mas a vida mudou os rumos da trajetória do garoto. Em 2003, com 18 anos, após concluir o ensino médio, Guilherme colocou em sua cabeça que precisava deixar Manga e se mudar para Montes Claros, no Norte de Minas, para conseguir melhores oportunidades. Inventou uma desculpa para que a avó não se opusesse a sua partida e se colocou na estrada, pegando carona com um desconhecido. Chegou a Montes Claros sem ter onde ficar e com apenas R$ 30,00 no bolso.

Com a ajuda de conhecidos, Guilherme conseguiu um lugar temporário para morar na cidade. Era uma borracharia, que, apesar de não possuir conforto, lhe acolheu naquele momento. “Passei por muitas dificuldades: não tinha um lugar decente para morar e nem sempre tinha o que comer”, conta o professor. Guilherme relata a ocorrência de um episódio em que precisava realizar uma prova para conseguir uma bolsa em um cursinho pré-vestibular, mas estava há vários dias sem se alimentar. Oportunamente, ele encontrou um amigo conterrâneo que o convidou para comer feijoada em sua residência e o jovem aceitou sem nem hesitar.

Chegando à residência de seu amigo, com bastante fome, o professor acabou perdendo a prova que garantiria sua bolsa de estudos, por ter ficado comendo feijoada. “Não sabia se era em relação à fome que sentia ou em relação à necessidade de conseguir comer o máximo que conseguisse para armazenar para os próximos dias”, relata Guilherme.

Entretanto, graças às pessoas generosas que apareceram em sua vida nesse período, o jovem conseguiu a sonhada bolsa de estudos. Para isso, fazia permuta em uma instituição educativa da cidade, através da qual pôde ter acesso a um curso preparatório para tentar o processo seletivo da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

Em 2003 fez seu primeiro vestibular, mas só conseguiu a vaga em 2004, quando prestou o exame pela segunda vez. Foi nessa época – em virtude do destaque que teve no cursinho pré-vestibular em que era aluno – que ele conseguiu seu primeiro emprego como professor de Literatura da instituição na qual, há poucos meses, era apenas estudante bolsista.O período da faculdade também não foi fácil. Guilherme teve que trancar o curso diversas vezes, pois não tinha condições de conciliar a necessidade de sobrevivência e a formação acadêmica. Como seu curso ocorria no período vespertino, as dificuldades de estudar e trabalhar eram cada vez maiores. “Tanto é que fiquei por quase dez anos batendo cabeça na Unimontes para concluir o curso superior”, afirma o educando.

O professor de literatura conta que a educação mudou completamente sua vida. “Os frutos da educação estão presentes nos meus dias. Como profissional, como cidadão, tenho na educação a minha base, o meu sustento, a minha referência moral e psicológica. Sou a prova de que a educação é um norte, uma salvação humana”, descreve.

A história do garoto que enfrentou cenários de pobreza e de adversidade e se tornou professor de Literatura, ajudando outros estudantes a ingressar no ensino superior, é semelhante à trajetória de tantas outras pessoas que tiveram suas vidas transformadas por meio da educação.

Educação que une e transforma

De origem humilde, filho de mãe auxiliar de serviços gerais e de pai mototaxista, Herisson Henrique pensou em desistir do curso de medicina quando perdeu quem mais admirava, seu pai e grande amigo logo no primeiro semestre da faculdade. Hoje o médico tem certeza que a educação transformou sua vida e de sua família. “A partir do momento que entrei na faculdade de Medicina, meus outros irmãos começaram a estudar também. Hoje meu irmão é advogado e o outro é psicólogo. E nós fomos os primeiros de uma grande família”, relata/ Foto: Arquivo pessoal

Não foi coincidência que Guilherme Rodrigues e Herisson Henrique Cardoso de Souza se encontram numa sala de pré-vestibular em Montes Claros antes de ingressarem no curso superior. Cada um com seus sonhos e com seus objetivos, mas colegas de luta que puderam desfrutar do sabor da conquista. Herisson Henrique, quando garotinho, sonhava em cursar astronomia, mas desenvolveu grande interesse pela anatomia do corpo humano e não conseguia mais tirar de sua cabeça a ideia de cursar medicina. Entender como o ser humano funcionava passou a ser sua maior curiosidade e também um grande sonho, que se perpetuou após concluir o ensino médio. A vida humilde não foi empecilho para continuar sonhando.

Quando começou a trabalhar na biblioteca de uma faculdade no auge dos seus 18 anos, o sonho se ampliou. Estar em contato com o universo acadêmico, para Herisson, era “um universo mágico”, como repetia para si mesmo ao andar pelos corredores da instituição.

Após realizar a prova do Enem, Herisson conseguiu passar em Biomedicina, pelo Programa Universidade para Todo (ProUni), mas algo lhe fazia acreditar que não era o que ele realmente queria; o sonho e a vocação para a Medicina falava mais alto. Realizou o curso até o 4° período, porém o trancou, pois havia conseguido passar em um concurso da Secretaria de Estado de Saúde para trabalhar no Samu. Foi ali que ele viu a oportunidade de ter tempo para se dedicar aos estudos e ingressar no curso de medicina.

Durante exatos sete meses, Herisson mergulhou nos estudos, mas, apesar da alta expectativa para passar nos exames, ele quase desistiu de realizar a prova. “Não tive um bom desempenho no primeiro dia. Nem queria voltar no outro dia de prova, mas foi meu pai que me apoiou a continuar”, conta o médico. No segundo dia de exame, o estudante obteve um excelente desempenho e conseguiu uma bolsa integral do ProUni para o curso de medicina. A única vaga disponível.

Logo no início da faculdade, a situação já não era fácil. Herisson perdeu o seu maior orgulho, seu pai, enquanto ainda cursava o primeiro período. “Foi o momento que mais me marcou durante todo o trajeto universitário. Eu queria desistir e desabei mesmo. Nem consigo dizer isso sem me emocionar… Naquele momento, meus colegas me apoiaram tanto que se tornaram minha família. Todos me ajudaram bastante. Isso foi crucial para que não desistisse do meu sonho”, relata o médico.

O jovem conta que sua maior dificuldade durante o período universitário foi conciliar trabalho e estudos. “Fazia a faculdade das 7h às 19h. No período da noite trabalhava até as 02h da manhã”, comenta Herisson. A realidade financeira também era uma questão complicada. De origem humilde, o estudante teve que aguardar dois meses de salário para conseguir comprar seu primeiro estetoscópio.

Hoje o médico tem certeza que a educação transformou sua vida e de sua família. “A partir do momento que entrei na faculdade de Medicina, meus outros irmãos começaram a estudar também. Hoje meu irmão é advogado e o outro é psicólogo. E nós fomos os primeiros de uma grande família”, relata.

Herisson conta que o que mais o surpreendeu foi que a educação não só deu a possibilidade de obter melhor renda, mas de ser um ser humano melhor. “Todos que eu vejo, sempre estimulo dizendo que educação é tudo”, conclui o médico.

Para Érika Soares, o Jornalismo sempre foi a primeira opção. Com muita dedicação, apesar das dificuldades, a jornalista fez dois cursos superiores ao mesmo tempo e hoje é editora da Inter TV Grande Minas – Afiliada da Rede Globo/ Foto: Arquivo pessoal

Enquanto Herisson trabalhava nas Faculdades Integradas do Norte de Minas, Érika Pereira Soares também estava lá em busca do seu sonho de se tornar jornalista. Trocavam ideias e também palavras que serviam de ânimo, afinal, cada qual estava atrás do seu sonho, mas os desafios do dia a dia eram muito semelhantes.

Acordar às 05h30 da manhã para pegar ônibus para o estágio era uma pequena parte da rotina diária da jovem Érika Pereira Soares. Além de cursar jornalismo na Funorte, Érika cursou Letras Português em uma instituição pública da cidade. Fez as duas faculdades ao mesmo tempo, e as madrugadas eram seu único tempo de estudo. “Acordava muito cedo e dormia muito tarde, passava madrugadas estudando e fazendo atividades”, afirma a jornalista.

Por um bom período, ela voltava pra casa em um ônibus de estudantes da cidade de Francisco Sá – MG e somente chegava em casa por volta de meia-noite. Tomava banho, jantava e frequentemente estudava de madrugada. “Foi bastante cansativo e puxado, confesso. Mas realmente vivi a faculdade. Estudei, me dediquei, tive boas notas, tive notas ruins, caí e levantei mil vezes”, relata.

Como sua rotina era muito pesada, teve momentos em que Érika pensou em trancar o curso de Letras, pois para conciliar duas faculdades e o estágio, o cansaço falava mais alto. Mas ela não desistiu. Seguiu em frente e se formou junto com a turma. “Ri, chorei, fiz amigos, enfim… Eu não teria escrito um roteiro melhor em se tratando de uma trajetória universitária”, conta a editora.

Pode ser clichê dizer que a educação transforma vidas, mas não é. Érika conta que sua mãe era professora e sempre dizia que queria deixar o legado da educação. “Os meus pais me presentearam com isso. Se eu não tivesse estudado, certamente não estaria exercendo o jornalismo, profissão na qual me sinto realizada”, finaliza Érika.

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