Pioneiras e audaciosas, instituições particulares de ensino superior foram determinantes para a transformação do Norte de Minas. A ampliação do acesso ao ensino superior transformou não só vidas, como também o cenário socioeconômico de uma região estigmatizada pelo atraso e pela falta de oportunidades. Nesta segunda reportagem da série “A Educação Superior no Norte de Minas”, conheça alguns dos responsáveis pelo desenvolvimento da região e o impacto de ter a oportunidade de cursar uma graduação na vida de dois jovens
Por Keisi Pinheiro
A primeira instituição de ensino superior particular criada em Montes Claros foi o Centro Universitário Funorte, em 1990, denominado, na época, de Faculdades Unidas do Norte de Minas. De acordo com o fundador da Instituição, Ruy Muniz, a quantidade de cursos na única Instituição de Ensino Superior da época, a Fundação Universitária Norte Mineira (FUNM), atual Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) era escassa e aqueles que buscavam acesso a outros cursos do ensino superior precisavam sair do município para alcançar esse objetivo.
A partir disso, então, o empreendedor pensou em criar novos cursos, não só em Montes Claros, mas também em cinco cidades do Norte de Minas. “Nossa cidade exportava cérebros para outros lugares. Percebi que em todos os anos o município formava aproximadamente 30 mil jovens concluintes do ensino médio, e a Unimontes só ofertava em média 550 vagas. Logo, os estudantes tinham que deixar o município de Montes Claros”, afirma Ruy Muniz.
Conforme aponta a reitora de ensino da Funorte, Raquel Muniz, a criação dessa instituição alavancou o surgimento de novas entidades e a oferta de cursos de ensino superior no município de Montes Claros. “Isso despertou a necessidade de criar outros cursos superiores e outras faculdades privadas surgiram no município. Nossa região passou a ser mais procurada e a cidade se tornou universitária”, conta Raquel.
A segunda faculdade particular a surgir em Montes Claros foi a UNIFIPMoc, criada no ano 2000, trazendo com a sua fundação a primeira turma de Turismo e Hotelaria, que iniciou suas atividades no 1º semestre de 2001. De acordo com a reitora da instituição, Maria de Fátima Turano, o Centro Universitário FIPMoc coopera para o desenvolvimento do Norte de Minas desde a sua criação, de modo que contribui para a formação de profissionais competentes para o mercado de trabalho no município e em regiões próximas.
“Isso muda a configuração da cidade e melhora a qualidade de vida dos habitantes. São profissionais críticos e comprometidos com a sociedade. A visão empreendedora experimentada durante o curso também gera oportunidades de negócios, geração de empregos e renda”, destaca a reitora.
O economista Aroldo Rodrigues concorda com os argumentos que justificam a importância das instituições privadas de ensino, sobretudo na região norte de Minas Gerais. Para ele, as faculdades privadas, além de ajudarem no desenvolvimento de uma região, propiciam inclusão. “Isso porque oportunizam acesso ao ensino superior até mesmo àqueles alunos aos quais não foi possibilitada uma educação básica de qualidade capaz de capacitá-los ao ingresso em instituições públicas de ensino superior, devido ao elevado número de concorrentes, frente às poucas vagas ofertadas”, evidencia.
O interior do Norte de Minas e os desafios de quem sonha com o diploma de ensino superior
Em muitos locais, a realidade da educação ainda possui carências latentes. Nem todos os municípios desfrutam de instituições de ensino superior e isso se mostra como um fator impeditivo ao desenvolvimento desses locais, o que torna esse processo de evolução lento e retardatário, principalmente nas regiões do interior. Além disso, estudantes que moram nesses locais precisam mudar de município para conseguir ter acesso a uma educação superior. Foi o que os jovens Dihemeson Faria e Thaís Souza tiveram que fazer, quando se mudaram de Itacambira para Montes Claros, para integrar o índice de jovens com acesso ao ensino superior no Brasil.
Localizada no Norte de Minas Gerais, Itacambira tem pouco mais de cinco mil habitantes (5.417) e não possui nenhuma Instituição de Ensino Superior. Para continuar os estudos, Dihemeson precisou se arriscar e decidiu vir para Montes Claros. “Apesar das dificuldades, não medi esforços para que meu sonho fosse possível”, afirma o estudante de jornalismo, que conseguiu uma bolsa integral por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni).
Para Dihemeson, que sempre viveu em uma cidade pequena, tudo era novidade e as condições financeiras no início do percurso eram bastantes desfavoráveis. “Precisei aprender a viver na ‘cidade grande’. Enfrentei diversos desafios para conseguir vir estudar. Sobrevivia com a remuneração de estágios, que pagavam muito pouco. Minha rotina era extremamente cansativa”, conta o estudante. “Pelo menos tive a chance de conseguir morar na cidade, o que não é a realidade de muitos jovens de Itacambira, que precisam utilizar transporte universitário”, afirma.
Conforme relata o acadêmico, uma boa parte dos estudantes de Itacambira consegue ir além do que a cidade pode oferecer. O retrato disso é o trajeto diário que dezenas desses graduandos realizam para estudar. Saem da cidade às 16h40 com destino a Montes Claros e retornam por volta de 1h da madrugada. Muitos deles ainda trabalham o dia inteiro.
De acordo com a Secretaria de Educação Municipal de Itacambira, o transporte universitário é uma parceria da prefeitura com os alunos; a cidade oferece carro e motorista, e os alunos pagam o combustível. “É uma ajuda e tanto, apesar da distância. São 100 km todos os dias, o que torna o trajeto bem cansativo. Porém, esse projeto ajuda os jovens mais carentes que não possuem parentes ou família nas cidades onde possuem as universidades”, afirma a secretária Rosana Neves.
Ela ainda aponta a carência de mão de obra qualificada no município como reflexo da falta de instituições de ensino superior. “A cidade encontra diversas dificuldades na contratação de profissionais. Este ano tivemos a falta destes em diversas áreas, como farmacêuticos, enfermeiros ou técnicos de enfermagem. Em relação à falta dos médicos nem se fala. E devido ao fato de cidade ser distante, é imensa a dificuldade de contratar esses profissionais. Se houvesse IES em Itacambira a realidade seria outra”, relata a secretária de educação.
Mas a boa notícia é que dos estudantes que Itacambira “exporta” para ingressar no ensino superior, muitos retornam ao município para prestar serviços à comunidade. “Com muitas dificuldades eles conseguiram uma chance. Hoje são enfermeiros, médicos, professores e supervisores que saíram de Itacambira para fazer um curso superior e voltaram à cidade para trabalhar junto à comunidade, afirma Rosana”.
É o caso da dentista Thaís Souza, que saiu sozinha em 2012 do município de Itacambira para cursar odontologia em Montes Claros. Ela passou por diversas dificuldades de adaptação, mas conseguiu concluir a graduação no ano de 2017 e voltou à Itacambira para ajudar o município. “É Muito gratificante poder retornar a minha cidade querida, ajudando as pessoas conterrâneas e principalmente aquelas que mais precisam, não só de atendimento odontológico, mas devolvendo o bem-estar social. Espero sempre contribuir e trazer cada vez mais benefícios para a população de Itacambira”, conclui Thaís.