DECEMBER 9, 2022


Homens de Qualidade

Os “ Homens de Qualidade” tementes ao “ El Rey” possuíram todas as águas, campos, matos, testadas, logradouros e mais úteis que  nela se acharem.

Foi com enorme alegria e entusiasmo que no último feriado tive a oportunidade de ler e reler o trabalho intitulado “ Pequena História Territorial do Brasil, Sesmarias e Terras devolutas de Ruy Cerne Lima. Um livro de 1954 e, portanto, com cheiro de mofo e ácaros. Leitura  efetivada com as famosas máscaras da época do Covid. 

Curioso saber que o Registro de Alvará que cedeu a sesmaria a Antônio Gonçalves Figueira de uma légua de largo e três léguas de comprido nas margens do Rio Verde é um documento que ajuda a ilustrar melhor esses diversos movimentos  do Brasil imperial.

Na descrição das terras pretendidas, mencionaram os interessados que “ descobriram de presente as terras dos campos chamados de Tabatinga, vizinhas das vertentes do Rio Verde e Itaqui ( Pacuí) da repartição desta capitania, as quais estão vagas como terras de nunca antes povoadas e os suplicantes tem a fazenda, fábrica e poder para povoar e defender”. Não obstante, eles preencheram e demonstraram , desta forma, ter os requisitos mínimos com parâmetros baseados no poder econômico para povoar e defender a nova terra pretendida em Portugal.  Percebe-se que o Sistema das Sesmarias privilegiava os “ homens de qualidade” e também de muitas posses e latifúndios na obtenção de novas terras cultiváveis. Ou seja, para obter novas terras, era preciso provar ser proprietário ou arrendatário de grandes latifúndios , em uma ordem inversa. Explicando melhor : Para se conseguir novas sesmarias era preciso provar ser homem rico e com bastante terra. Um socialismo às avessas. 

Mostrando, por assim dizer, para atuar na organização econômica colonial era um privilégio apenas das classes abastadas vindas de Portugal e seus herdeiros diretos.  Podemos afirmar então que, para montar a estrutura econômica da época, a coroa portuguesa, precisou contar e estimular a participação de recursos humanos e financeiros de particulares com sangue lusitano e espanhol. 

Devido a proximidade das terras de Figueira com o Rio Pacuí, os irmãos pediram ao Governado que fizesse a bondade de “ conceder de sesmaria os ditos Campos das Tabatingas na forma que melhor se puderem acomodar, sem prejuízo de terceiro”. As trinta léguas de terra solicitadas pelos irmãos desbravadores do Norte foram recusadas. No entanto receberam mais seis léguas , e o restante distribuído por para antigos bandeirantes. 

A historiadora Adriana Duarte Borges Aquino relata em seu ensaio sobre o mesmo tema que “ Percebe-se que houve um cuidado por parte do capitão-mor em não doar grandes extensões de terras a poucos indivíduos. O provedor da fazenda real, verificando que demonstrados os fatos de que realmente eles foram os descobridores dessas terras, afirmou que no que se refere a quantia de léguas devem observar as ordens de Sua Majestade que Deus guarde que é cada sesmeiro até três léguas de comprido, uma de largo. Foi o que o Capitão-mor alegou aos requerentes. Por não se adequar à legislação vigente, os irmãos figueira viram seu intento de formar um grande latifúndio, de 30 léguas, no Campo da Tabatinga, hoje região de Coração de Jesus e Ibiaí, fracassar. Acabaram por receber bem menos que o solicitado. Outra imposição feita pelo governo geral, e que também consta no Alvará é a proibição de venda ou doação de terras, conforme a seguir : as terras não poderá alhear antes dele, nem passará a outro algum domínio sem as ter aproveitado para se darem logo neste caso a outra pessoa

\ Destacando também a isenção de impostos, tais como forro, tributo ou pensão alguma, pagando somente o dízimo a Ordem de Cristo que pagará dos frutos que nela houver. A concessão das sesmarias os obrigava também a abrir caminhos públicos e particulares para as fontes, pontes, portos e pedreiras. E, se houver nas terras adquiridas “ aldeia de índios” Antônio Gonçalves Figueira não as possuirá. No papel, à época, o território indígena era preservado. Na prática invadido e tomado pelos bandeirantes e paulistas. 

Adriana Borges nos lembra que “ depois de abandonar o campo de combate contra indígenas no sertão nordestino, os paulistas comandados por Matias Cardoso de Almeida e Antônio Gonçalves Figueira se fixaram nos Rios São Francisco e Verde Grande onde construíram fazendas de criar gado e engenhos de cana em grandes sesmarias concedidas pelo governo baiano. Assim nasce a cidade de Montes Claros . Matias Cardos e Gonçalves Figueira transformam-se de exploradores de ouro e caçadores de índios (sic) em proprietários rurais e criadores de gado( SANTOS, Marcio. Bandeirantes paulistas no sertão do São Franciso: Povoamento e Expansão pecuária de 1688 a 1734. São Paulo: Editora da USP, 2009.p,35)

Esse processo de implantação de atividades produtivas e fixação populacional foi, ainda segundo Santos,” suficientemente duradoura e intensa para transformar essa área não mineradora num território produtor e de circulação mercantil, integrado aos circuitos das regiões coloniais da América Portuguesa. Os estudos de Ruy Lima, Márcio SANTOS e da Professora Adriana Duarte nos ajudam a compreender a civilização do couro e a saga dos coronéis, que paralelo à população catrumana ( Joba Costa) e ribeirinha fizeram do norte de minas esta mistura de ambição e paixão que ainda está a se redescobrir.

 

Gustavo Mameluque. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

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