Nátila Gomes – Da Redação
Orgulhosa, dona Milene Antonieta Coutinho Maurício expõe livros, fotos, prêmios e obras que simbolizam a marcante e produtiva vida do marido João Valle Maurício. Tudo espalhado pelas paredes e móveis da aconchegante sala de estar. Quadros e imagens sacras antigas também são testemunhas dos anos vividos intensamente pelo médico, político, poeta, cronista, seresteiro, escritor e atleta. O montes-clarense, que morreu há 20 anos, deixou um importante legado para Montes Claros além de uma legião de pessoas apaixonadas pelo jeito dele de ser e viver.
“O que mais me encantou nele foi a inteligência e a vontade de fazer de Montes Claros um lugar importante. Quando nos casamos, éramos muito jovens, e o amor dele pela cidade nunca passou”, enfatiza a viúva. Ela o conheceu no Colégio Imaculada Conceição, quando era aluna do curso de Contabilidade e ele o professor. “Era um rapaz novo, bonito e formado. Eu, muito tímida, com 16 anos, nem pensava em casamento. Aí Maurício me descobriu. Vi que era um bom partido e me casei antes de completar 18 anos”, recorda. O casamento foi em 1950.
Da união, nasceram quatro mulheres: Liliane Coutinho Maurício, Maria Vitória Coutinho Maurício Coelho, Mânia Lúcia Maurício e Nair Julieta Maurício Pinto. O amor frutificou ainda mais, gerando nove netos, nove bisnetos e um tataraneto. Foi um pai e um avó extremamente amoroso, como bem lembra a assistente social Maria Vitória:
“Ele era à frente do tempo. Um exemplo disso, é que fui apoiada a morar na Europa com 16 anos, um fato revolucionário, o que para outros pais isso era inadmissível. A dedicação e o cuidado dele ao próximo é que me fez escolher a Assistência Social como profissão. A saudade que sinto é enorme, passávamos noites inteiras ouvindo os casos engraçados que contava.”
A primeira neta de João Valle Maurício, a Daniella Maurício Domingues Mourão, carrega no coração só boas histórias do avô. Duas delas foram reveladas para a TEMPO: “Meu cachorro sumiu, por vovô escrever tanto, tínhamos mania de escrever também, daí, escrevi uma cartinha chorando pelo sumiço, e entreguei para ele, que mandou publicar no jornal. O cachorro apareceu. Outra vez, bati o carro dele, que era novo. Só tinha 15 anos, fiquei morrendo de medo de contar quando retornasse de Belo Horizonte. Quando chegou, falamos que o carro estava na oficina. A única coisa que ele perguntou foi se eu tinha machucado, eu disse não. Não perguntou mais nada.”
Nas mãos do Dr. Maurício, como era chamado por muitos, os causos, anedotas e os fatos ganham uma forma singular, e evidenciam a magnitude do homem e do escritor. A filha mais velha, Liliane Maurício, volta ao passado para explicar a paixão pela leitura por todos da família:
“Engraçado, papai nos chamava de ‘ignorantezinha’. Se ele perguntasse o que era algo e a gente não sabia, passávamos aperto. Hoje, vejo como isso foi importante. Ele dizia que saber discutir sobre qualquer assunto era o maior dom, é lendo que a gente aprende. Nos trabalhos de escola, ao invés de procurar nos livros, a gente o perguntava.”
O médico João Afonso, sobrinho de João Vale Mauricio, é outro que revirou o baú da memória para reviver uma lembrança vivida ao lado do tio durante um encontro na cidade de Alfenas, em 1982: “Era a Reunião dos Reitores das Faculdades de Minas Gerais, e tio Maurício era o então o Secretário Estadual de Saúde e presidiu o encontro. Estava eu, ele e a tia Milene. Após a reunião, houve um jantar. Como sempre, o discurso de encerramento foi feito pelo meu tio. O prefeito de Alfenas havia preparado uma surpresa para ele: o cantor Sílvio Caldas apareceu cantando e encantando a todos. O artista, em uma homenagem ao tio Maurício, cantou, especialmente, uma linda canção na nossa mesa. A música ‘Chão de Estrelas’ nos deixou emocionados.”
Apaixonado por serestas, a música popular era responsável por embalar o ritmo frenético que Dr. Maurício vivia. Romântico por natureza, criou o “Grupo de Seresta João Valle Maurício – Lágrimas ao Luar”. Entre os trabalhos de destaque está o álbum “As mais belas modinhas”. Com essa e outras produções, o grupo foi premiado em vários festivais pelo Brasil. Outra habilidade do médico bastante elogiada é a escrita, o que o levou a ser colaborador na imprensa de Montes Claros. No Jornal do Norte, por exemplo, criou a coluna “Janela do Sobrado”, em que escrevia crônicas e causos. Já no Diário de Montes Claros, era um dos assinantes da página literária. Ainda na área da comunicação, foi sócio-fundador do Diário de Montes Claros e do O Jornal de Montes Claros.
O jornalista Américo Martins Filho guarda no acervo particular lembranças do ‘amigo, confidente e companheiro’, adjetivos usados por ele em um artigo no Jornal do Norte em homenagem a Dr. Maurício. O texto escrito em 26 de abril de 1996 recebeu o título “O homem que poderia se chamar Montes Claros”.
A TEMPO reproduz trecho da publicação daquela época: “Certa vez, João Valle Maurício, em momento de profunda inspiração, disse que se Montes Claros tivesse um coração ele estaria plantado na igreja da Matriz (…). Gosto de João Valle Maurício, e junto deste gostar, sou um obediente admirador do seu jeito único de amar nossas ruas, praças e gentes. Ninguém como ele, que me perdoem os outros, simboliza a história e ternura dessa cidade. E, assim, parodiando sua analógica frase a respeito da querida matriz, vou dizer neste minifúndio de página, que João Valle Maurício é corpo e alma de Montes Claros”.
Duas décadas após a morte do amigo, o discurso carinhoso não muda.
Compartilhe:“O paralelo que faço é que ficamos órfãos de tanta gente boa que se foi. Ninguém representou tão bem Montes Claros como Maurício. Ele estava presente em todas as áreas, não só da saúde, mas da política, do social, da diversão e da cultura. Eu poderia chamá-lo de João Valle Maurício Montes Claros”, arremata Américo Martins Filho.