Esta semana o nosso conterrâneo Darcy Ribeiro , por ato da Presidência da República, se tornou herói nacional pelo conjunto de sua obra e de suas ações em favor do povo brasileiro que tanto amou. Sim é ele uma das nossas maiores inteligências. Meu primeiro contato com Darcy foi em 1982, na casa de Dr. Mário Ribeiro, quando o mesmo, ao lado de Brizola e Genival Tourinho concederam uma entrevista para a extinta Rádio Sociedade Norte de Minas, onde eu estagiava ao lado de Artur Leite e Félix Richer. Foi uma longa entrevista de quase duas horas. Já tinha lido. Mas nunca estado tão perto de tamanha inteligência e “ presença de espírito”.
Lembro-me de uma fala : “ O povo brasileiro é o povo mais lindo do mundo… porque é uma mistura do branco europeu, do negro africano e do índio brasileiro… que é só força, sensualidade e beleza”. Sendo assim falaremos um pouco do seu Romance: O mulo. O antropólogo Darcy se mostra completamente inteiro em “O Mulo”.
Também considerado por muitos literatos brasileiros como um romance regional ele retrata o cotidiano do Sertão das Gerais , de Montes Claros a Cristalina de Goiás. Passa pela construção de Brasília-DF em um tempo de Coronéis, herança próxima dos Coronéis de Brasília de Minas, São Francisco, São Romão . Segundo Wanderlino Arruda, Darcy, sem demorar muito será reconhecido, como um dos grandes romancistas brasileiros do Século XX. Será, talvez, lembrado muito mais como romancista do que como o grande sociólogo, político, antropólogo e político questionador que foi. Somente para relembrar:
“Assim cheguei a esse poço sem fundo de lembrança, que despejo em cima do senhor. Sou, hoje, um mulo cheio de reminiscências. Eu nem supunha que coubesse em mim, nem em ninguém, tanta lembrança como as aqui recordadas. Com surpresa vi quanta estava em guardada, soterrada, querendo sair, sopitar, sangrar.”
Sobre esta obra, Darcy Ribeiro escreveu em seu livro Testemunho “Ao contrário do chamado romance social que exalta humildes, mas heroicos lutadores populares, em O Mulo eu retrato o nosso povo roceiro, sobretudo os mais sofridos deles que são os negros, tal como os vi, sempre mais resignados que revoltados. Além da espoliação de sua força de trabalho e de toda sorte de opressões a que são submetidos, nossos caipiras sofrem um roubo maior que é o de sua consciência. O patronato rural se mete em suas mentes para fazê-los ver a si mesmos como a coisa mais reles que há.”
“Guardo em mim recordações indeléveis das brutalidades que presenciei em fazendas de minha gente mineira e por todos estes brasis, contra vaqueiros e lavradores que não esboçavam a menor reação. Para eles a doença de um touro é infinitamente mais relevante que qualquer peste que achaque sua mulher e seus filhos. Esta alienação induzida de nossa gente, levada a crer que a ordem social é sagrada e corresponde à vontade de Deus, é que eu tomei como tema, mostrando negros e caboclos de uma humildade dolorosa diante de patrões que os brutalizavam das formas mais perversas. Tanto me esmerei na figuração destes contrastes que um pequeno bandido político em luta eleitoral contra mim fez publicar alguns daqueles meus textos de denúncia como se expressassem minha postura frente aos negros.
Darcy retoma o tema da velhice, da desilusão do fim de vida, dos nossos raros momentos de reflexão. ““ O mulo” é uma obra de questionamentos. Inicialmente incompreendido pelos críticos literários e pela quase maioria dos leitores este romance regional vai se mostrando cada vez mais universal à semelhança de” Grande Sertão: Veredas”. Philogônio é a antítese do herói Riobaldo de Rosa.
Havia uma certa harmonia, um certo respeito do Senhor de Engenho para com o negro e especialmente a negra das Senzalas. Negra que se deitava com o Senhor. Negra ama de leite. E viviam em harmonia. Em “o mulo” Darcy quebra esta lógica da” Democracia Racial”. Permeando entre o bem e o mal.
Philogônio de Castro Maya (Maia com Y) é o seu último nome. Inventado. Engendrado pelo recadastramento da Justiça eleitoral goiana, porém, este nome teve diversos outros nomes: Já foi chamado de ninguém, de coisa, de estrupício, de nada, fuso, qualquer um, Filó, Terêncio Bórgia (que se julgava seu pai) e Terezo. Por fim: mulo.
“Uma madrugada que acordei estremunhado e saí porta a fora, bati com o pé no moleque que vivia enrodilhado ali; acordando assustado ele me perguntou gritando: Que é seu mulo? Quem é quem? Perguntei eu. Aprendi ali, naquela hora, meu apelido.”
Maya nunca amou verdadeiramente qualquer pessoa. Talvez um amor carnal por Emilinha; mas nem tanto porque a lançou aos negros sedentos. Terminou sem a quem deixar tantas conquistas iniciadas com arrieiro e depois tropeiro em Paracatu, sempre em direção às águas limpas de Goiás. Tornou-se rico de posses, mas pobre de sentimentos nobres. Fazia sua própria justiça, do seu jeito. E narra tudo na fazenda laranjos. Amigos? Talvez um único; Militão. Tão amigo que coube a ele comprar o seu luxuoso caixão em Brasília-DF. Fim de vida amargurado? Arrependido? De alguns pecados…
Darcy que tanto admirava a fé de Mestra fininha talvez tenha convivido muito com Deus sem o saber. E poderia muito bem ter colocado em suas “confissões” uma máxima do Poeta maior Fernando Pessoa:” Cheio de Deus não temo o que virá, pois venha o que vier, nunca será maior do que minh’alma”. Saudades de Darcy!!!
Gustavo Mameluque. Jornalista. Membro do Instituto Histórico de Montes Claros. Colaborador do Novo Jornal de Notícias e da Revista Tempo.
Compartilhe: