DECEMBER 9, 2022


A cada sete minutos, um idoso é vítima de violência patrimonial

Foram 43,8 mil denúncias registradas nos primeiros sete meses do ano em Minas Gerais, conforme a Sejusp

Foto: Alex de Jesus

Aos 84 anos, com várias limitações físicas que a impedem de se locomover sozinha, Luzia* trava outra luta: a de tomar posse do próprio dinheiro e poder arcar, sozinha, com os gastos com medicamentos. Só em 2026 ela vai terminar de pagar o empréstimo consignado feito pelo neto no nome dela. O abuso foi denunciado, e ela, acolhida em uma instituição de longa permanência. Mas é no silêncio da solidão, entre quatro paredes, que esse tipo de abuso toma forma e, na maior parte das vezes, não vira estatística.

Nos primeiros sete meses deste ano, foram feitas 43.849 denúncias de infrações contra o patrimônio tendo como vítimas pessoas com mais de 60 anos – o mesmo que dizer que, a cada sete minutos, uma vítima conseguiu dar um grito de socorro para, talvez, ser acolhida como Luzia.

O levantamento da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) inclui furto, estelionato, roubo, extorsão e apropriação indébita de coisa alheia. No mesmo período de 2023, foram 42.645 denúncias, o equivalente a uma alta de 2,8% no período. Algumas pessoas denunciaram ao Ministério de Direitos Humanos. O órgão recebeu 3.633 relatos de janeiro a julho deste ano referentes a situações em que terceiros recebem ou desviam bens, dinheiros e benefícios. Em 2023, foram 2.917. Ou seja, a alta foi de 24,5% no período. O ato fere o Estatuto do Idoso e prevê pena de reclusão de um a quatro anos, além de multa.

Luzia, que terá a real identidade preservada, foi salva há dois anos após a denúncia de vizinhos ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras) da Prefeitura de BH. Ela foi resgatada de uma situação extremamente degradante na casa onde vivia, no Morro do Papagaio. “A gente recebeu o nome dela por meio da central de vagas. Quando a encontramos, ela estava abandonada, adoecida, suja, cheia de fezes, sem condição de se locomover. Eram 16h e ela não tinha comido nada”, conta uma pessoa envolvida no processo de ajuda.

“Quando conseguimos institucionalizá-la, tivemos dificuldade até de conseguir o cartão dela de volta para iniciar os trâmites necessários para ela ter acesso ao próprio dinheiro”, conta a fonte. A internet aumenta a vulnerabilidade dos idosos, segundo a delegada Naira Rajab Bassul, titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Pessoa com Deficiência e ao Idoso em BH. “Muitos deles não se orientam sobre os avanços tecnológicos e como evitar cair em golpes”, diz.

Vulnerabilidade possibilita vários abusos 

A violência patrimonial é só mais um tipo de abuso contra idosos que se soma a vários outros. O Ministério de Direitos Humanos recebeu 13.434 denúncias de atos contra pessoas com mais de 60 anos de janeiro a julho deste ano, dos quais 27% (3.636) são ligados a patrimônio.

Os números se refletem em desamparo. “A maioria das pessoas que chegam aqui no lar é de vítimas de mais um tipo de violência. A patrimonial é comum à maior parte delas. Mas, como somos uma instituição filantrópica, chegam muitas vítimas de abandono em busca de resgate da dignidade”, diz Maura Carvalho, presidente do Lar Santa Gema, na região Noroeste de BH.

Dona Tereza*, 70, passou por tantas situações que ela tem até dificuldade de explicar. A idosa já recebeu empréstimos de uma empresa sem pedir. Diz que tentou a todo custo tirar o valor da conta, mas não conseguiu. Não sabe como o dinheiro foi parar lá nem como tirá-lo. “Estou pagando mensalmente, com juros. Não sei o que fazer”, diz ela.

A idosa também conta que se sentiu lesada quando fez um empréstimo. Ela atrasou parcelas na época da pandemia e, quando conseguiu retomar os pagamentos, era como se jamais tivesse feito nenhum. “Passaram a cobrar a dívida do zero”, lamenta. A idosa não consegue nem contato com a instituição financeira mais.

Presidente do Comitê Técnico Instituto de Defesa Coletiva, Lilian Salgado explica que casos como o dela são comuns. “A facilidade de aposentados conseguirem empréstimos os torna vulneráveis porque até os familiares tomam posse do cartão deles, e há quem nem identifique que são vítimas de abusos”, afirma.

Bancos tentam impedir golpes

Embora muitos casos de violência patrimonial aconteçam dentro de casa, idosos também são vítimas de golpes de pessoas que se aproveitam de certas vulnerabilidades dessas vítimas. Diante disso, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirma que os bancos investem R$ 4 bilhões por ano em sistemas de tecnologia da informação voltados para a segurança dos clientes. Além disso, há campanhas e ações para orientar essa população.

A delegada Naira Bassul também orienta que, para evitar a potencialidade do idoso em se tornar vítima de crime patrimonial, é importante que ele vá à instituição bancária acompanhado de alguém de confiança “e que não aceite a ajuda de terceiros que não conhece”.

*Nome fictício

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