DECEMBER 9, 2022


Live streaming de sexo traz pessoas comuns monetizando a intimidade

Relações sexuais ao vivo são disponibilizadas através da internet por casais que não são profissionais do pornô nem influenciadores

Foto: Istockphoto/Getty Images

O termo em inglês traduz uma prática que tem ganhado cada vez mais adeptos na internet. Conhecida como “live streaming de sexo”, trata-se de casais que, não sendo profissionais da indústria pornô nem influenciadores, decidiram lucrar com os momentos de intimidade, deixando a câmera aberta no momento em que o sexo acontece, e cobrando daqueles que se interessam em acompanhar a transmissão.

A sexóloga Bruna Belo atribui a onda a múltiplos fatores, “já que as pessoas são diversas e plurais”, e destaca as mudanças digitais, que, embora recentes, contam com a velocidade a seu favor. Aliado a isso, estaria a pandemia, que levou as pessoas a ficarem mais tempo em casa, e tendo que procurar esses conteúdos de maneira online.

“Aumentou a procura por conteúdos eróticos na internet, assim como as vendas das sex shops. Os casais tiveram que ressignificar a sua vida sexual, muitos ampliaram o repertório. As pessoas solteiras, que moravam sozinhas ou com familiares, descobriram esse campo de possibilidades da internet, que se tornou fértil, inclusive, para a monetização de quase tudo, incluindo o sexo”, sublinha Bruna.

Nesse sentido, ela ressalta a força de um sistema social construído em torno da “transformação das coisas em produto, como é o caso do capitalismo”. “As pessoas percebem essa demanda e resolvem ofertar, pois percebem a oportunidade de ganhar dinheiro”, avalia.

Para a sexóloga, há aspectos diferentes envolvidos na produção e no consumo das “live streaming de sexo”. Em um paralelo com o pornô, ela acredita que muitos acessam o conteúdo “como uma forma não saudável de regular a emoção”. “É parecido com a compulsão alimentar, em que, para aliviar sentimentos de tédio, raiva, a pessoa recorre a uma fonte de prazer rápida, ao invés de enfrentar o problema em si”, observa.

O diferencial das “live streaming de sexo” seria, justamente, a perspectiva de que aquilo acontece naquele instante, ao vivo, agregando a possibilidade de uma interação que amplificaria a sensação de aquele sexo é “real”, embora performado para a câmera. Além disso, haveria o fato de “as pessoas não serem profissionais do pornô”.

“Ao ver corpos normais, que têm pelo, gordura, em que as pessoas têm dificuldade para realizar uma determinada posição sexual, quem está assistindo acaba tendo uma percepção de proximidade e pertencimento maior”, afirma Bruna. Treinar fantasias sexuais, liberar fetiches e ampliar o repertório seriam outros motivos. Por fim, ela salienta a curiosidade.

“Sempre houve interesse pelo assunto, as pessoas querem ver, observar as outras fazendo sexo, e, no caso das ‘live streaming de sexo’, pode ser até o seu vizinho”, diz. Enquanto a pornografia ficou historicamente associada à masturbação e serviu para preencher “uma lacuna que existe na educação sexual na nossa sociedade”, Bruna pondera que as live streaming “podem estar num outro lugar”.

“É como você estar passando na rua e ter acesso aos bastidores de uma cena que está sendo gravada, enquanto, pela TV, o que você vai assistir foi montado”, compara. Já para quem toma a cena das “live streaming de sexo”, a sexóloga aposta tanto no desejo de se exibir quanto na necessidade financeira.

“Assim como os áudios e contos eróticos, pode ser uma modalidade de entretenimento adulto, em que as pessoas podem satisfazer fantasias e experimentar a sexualidade sem precisar sair de casa, colocando o sexo num lugar menos inacessível que o dos pornôs montados”, arremata.

Redes sociais e monetização alteram relação com o sexo

De acordo com a sexóloga Bruna Belo, os relacionamentos amorosos e sexuais enfrentam um paradoxo na contemporaneidade. Ao passo em que parte da sociedade experimenta uma maior permissividade e liberdade para se falar de sexo, com filmes e séries que abordam, por exemplo, relações não-monogâmicas, e sex shops que não precisam mais se esconder em ruas pouco movimentadas, a outra parte mantém o tema como tabu, numa espécie de “reação conservadora aos avanços da sociedade”, avalia Bruna.

Ela traça uma linha histórica para provar seu ponto. “Antigamente, o matrimônio era baseado no dote, não havia a ideia de amor, que, depois, passou a imperar. Hoje, as novas gerações pensam o casamento de outra forma, em que não precisa haver, necessariamente, uma exclusividade amorosa e sexual”, pontua.

Por outro lado, há o fenômeno de jovens mulheres que resolveram resgatar os ideais da década de 1960, trajando vestidos com bolinhas pretas e acordando às 4h da manhã, a fim de preparar um bolo para o marido. “Somos influenciados por tudo que a gente vê, lê, consome. As bolhas e os algoritmos certamente nos influenciam. Muitas pessoas dessa geração vivem nas redes sociais como se aquilo fosse a vida real delas…”, alerta a especialista.

A criação de novos códigos, como mandar a imagem do foguinho pelo Instagram, curtir fotos antigas ou comentar stories forneceriam a senha sobre o interesse afetivo e sexual. Com o sexo cada vez mais presente no ambiente virtual, o risco das “live streaming de sexo”, segundo Bruna, é, justamente, o de transformar o prazer em mero produto. “Quando o seu hobby de fazer crochê vira trabalho, a coisa muda de figura. É lógico que trabalhar com o que gosta é melhor, mas todo mundo prefere estar de férias do que trabalhando”, exemplifica a sexóloga.

No caso das “live streaming de sexo”, ela avalia que é necessário que o casal tenha “muita maturidade”. “Ao invés de ir pela lógica do prazer, o perigo é o sexo virar obrigação, performance, caindo em um lugar estereotipado que tentamos tirar há tempos”, diz Bruna, que também cita o combate aos crimes virtuais como essencial. “É fundamental que haja regulamentação, restrição de idades, e diretrizes dos sites que divulgam essas ‘live streaming de sexo’…”, finaliza.

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