Junho se aproxima e com ele uma tradição nacional que chega firme e forte para deixar o mês ainda mais especial: as tradicionais quadrilhas. Em Montes Claros, grupos conhecidos se preparam para apresentações, como é o caso do Arraiá do Rela Bucho, criado há mais de duas décadas para levar ao público muito mais do que entretenimento. Este ano, o grupo promete surpreender com uma mistura de dança, teatro e temas de cunho sociais. O presidente do grupo, Sérgio Amorim, destaca que o objetivo desta temporada é promover uma reflexão sobre o racismo e seu impacto na população negra, ao mesmo tempo em que destaca as várias formas de violência enfrentadas pelo corpo da mulher negra. Além disso, busca mobilizar esforços em prol de todos, ressaltando os 136 anos desde a promulgação da Lei Áurea. Em consonância com o mês de maio, que marca o Dia da Abolição da Escravatura (13 de maio), a quadrilha traz à tona reflexões sobre o processo escravocrata no Brasil. Muito além de divertir e encantar o público com a apresentação, o objetivo também é de educar e sensibilizar as pessoas sobre esse capítulo da história do país. Um dos destaques da performance é a protagonização de uma mulher negra representando a luta e resistência desse grupo historicamente marginalizado. Essa escolha busca destacar os desafios enfrentados pelas mulheres negras, que sofrem uma série de violências e enfrentam altos índices de desigualdade em diversos aspectos sociais. Além disso, a inclusão de uma temática que aborda questões de gênero e sexualidade também se faz presente, uma vez que grande parte dos integrantes do grupo são homossexuais. Dessa forma, o Arraiá do Rela Bucho busca celebrar a cultura nordestina, ao mesmo tempo que promove reflexões importantes sobre inclusão, diversidade e história do povo brasileiro. Uma nova modalidade de dança e teatro tem chamado a atenção por sua proposta inovadora de abordar temas históricos e culturais. Por meio da dança, os participantes contam a história do processo de abolição da escravatura, passando por momentos marcantes desse período que cunhou a constituição do Brasil. O objetivo dessa dança vai além do aspecto cultural para promover o letramento e a conscientização sobre a história do povo negro. É uma oportunidade de ensinar e informar sobre aspectos importantes muitas vezes esquecidos ou negligenciados pela sociedade. “Nesse contexto, é relevante destacar a importância da Lei 10.639/2003, que prevê o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas, porém ainda enfrenta desafios na sua implementação e respeito”, diz Letícia Imperatriz, que é uma das participantes do grupo. Ela ainda enfatiza que “ao abordar o período pós-abolição, a dança também lança luz sobre as condições enfrentadas pela população negra, como a falta de oportunidades de emprego e educação, contribuindo para a compreensão dos estigmas e desafios enfrentados por essa comunidade ao longo da história”.
FALTA DE APOIO
Um problema que é perceptível em praticamente todos os grupos de quadrilha da cidade e região é a falta de apoio por parte de instituições públicas e privadas. Mesmo com os poucos recursos disponíveis, todos os anos as quadrilhas entram em cena abordando as mais diversas temáticas de cunho social, religioso, educacional etc. “Infelizmente, contamos com poucos patrocinadores devido à falta de apoio e à ausência de um calendário oficial para as festas juninas. No entanto, o que nos mantêm resilientes é o amor por sermos quadrilheiros. Quando digo ‘nós’, refiro-me a toda a comunidade quadrilheira, incluindo Arraiá do Rela Bucho, Pequizá, Jatobá, Levanta Poeira e Pé Rachado. Resistimos pelo amor à dança”, pontua Sérgio Amorim. O grupo já participou de outros festivais e conquistou prêmios em diversas cidades, e chega nesse ano com um tema forte para brigar por mais prêmios: “Esperamos conseguir transmitir a realidade e a urgência de acabar com o racismo. Embora ele tenha mudado sua forma, ainda persiste. Existe até casos recentes de escravidão, o que indica que o problema não foi completamente erradicado”, relata Amorim. Na imersão de uma cenografia que evoca os tempos da escravidão, os dançarinos do Arraiá do Rela Bucho se vestirão como escravos, com a presença de capatazes e senhores de fazenda. “O propósito é transmitir o sofrimento daquela época com foco na protagonista, uma noiva que foge de Porto Seguro para Montes Claros em busca de proteger seu bebê”, antecipa Sergio. O presidente do grupo completa que “a história se desenrola sob a sombra de uma gameleira, onde hoje se ergue a Escola Municipal Dr. Alfredo Coutinho, um símbolo do bairro Camilo Prates. Foi ali que a professora Dona Mirtes, esposa do ex-vice-prefeito Zé Vicente, que também foi vereador, ministrou suas aulas improvisadas com cadeirinhas. Esse marco inicial foi essencial para o desenvolvimento do bairro”, relata. Na trama da quadrilha, a noiva assume o papel de protagonista, enquanto o narrador compartilha sua história. Joyce Emanuelle, que interpreta a noiva, revela sua jornada como escrava fugitiva, encontrando refúgio no Arraiá das Formigas. “Sou a Princesinha do Norte, uma escrava que foge da Bahia pelo Rio São Francisco e chega aqui, lidero uma rebelião para conquistar minha liberdade e lutar contra a escravidão. A Princesa do Norte simboliza a nossa região. A história será contada por meio de música, dança e arte, com elementos teatrais que tornam o nosso forró único”, destaca Joyce. Se preparem para uma apresentação rica em coreografia e enredo, mas acima de tudo carregada de simbologia e representatividade. Mais uma vez, o grupo de quadrilhas Arraiá do Rela Bucho promete levar ao público uma performance à altura das festas juninas, mergulhando na história e na cultura brasileira para, acima de tudo, conscientizar o público em uma temática importante e necessária.
Letícia Imperatriz, uma das integrantes do Arraiá do Rela Bucho, traz sua arte e sua história para
compor o enredo do grupo. Foto Larissa Durães.
Repórter Larissa Durães
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