Quem nunca reclamou, ao final do ano, de que não conseguiu realizar metade do que havia planejado 12 meses atrás, jogue a primeira pedra. É uma sensação frequente, que, durante as festas de “adeus ano velho, feliz ano novo”, costuma ganhar tamanho, força e, para quem não se policia, render também idas ao consultório. É a chamada “dezembrite”.
O nome já diz muito desse transtorno (também conhecido como “síndrome do fim de ano”): ele nos acomete num período de balanço, quando fazemos um checklist mental de nossas metas. É quando vem a frustração, principalmente se compararmos com as realizações dos outros. As consequências vão de sentimentos de tristeza e medo a depressão e isolamento social.
“Nós, seres humanos, temos uma tendência de temporalizar tudo. Pode ser o final do ano ou uma data de aniversário de morte de um parente. A gente sempre cria significado em torno das datas. E como dezembro é um marco temporal geral, percebemos esses aumentos de ansiedade de uma forma coletiva”, observa o médico psiquiatra Bruno Brandão Carreira.
Apesar de ser comum a todos nós, “dezembrite” é uma expressão informal. Ela não é considerado uma doença pelos manuais classificatórios. Carreira explica que o termo serve para evidenciar um padrão sazonal de aumento de ansiedade, estresse e sintomas psicológicos associados ao final do ano, representando uma alteração no comportamento e humor da pessoa.
Carreira ressalta que a “dezembrite” não é exclusiva de pessoas que têm (ou predisposição a) transtornos psicológicos. “Pode acontecer com todos nós. Essa pressão sazonal que a virada do ano coloca pode acontecer com todos nós. Para a maioria, vai ser algo transitório. Para outros, pode evoluir para um quadro de transtorno psicológico”, frisa.
E, para quem acha que tem a ver com a cultura ocidental, o médico alerta que essa exigência que fazemos a nós fazemos está presente em praticamente todas as culturas. “Isso pertence ao ser humano. Nós temos essa tendência de fatiar o tempo. Com o final de ano, não é diferente. É o momento que você começa a contabilizar os fracassos e projetar o futuro, criando metas”.
A “dezembrite” vira uma espécie de autoflagelação interior. Como explica Carreira, “a gente começa a fazer um levantamento de tudo o que gostaria de ter feito no ano e não fez. E comparamos com outras pessoas que achamos que conquistaram algo. Pressões sociais sobre o que a gente não fez ou que deveria fazer também são comuns nessa época”.
Essas pressões podem acontecer dentro de casa mesmo. Por trás dos momentos de celebração de final de ano, vira e mexe a gente ouve frases como “minha filha, você tem casar” ou “filho, já está na hora de você fazer uma faculdade”. Carreira afirma que “o peso dessa expectativa em relação ao futuro, no caso do novo ano, também é algo relevante”.
“Somos a nossa companhia mais tóxica”
Como é uma situação a que todo mundo está sujeito, o médico dá algumas dicas preciosas para evitar que passemos as festas no modo jururu. A primeira – e mais importante delas – é não criar metas irreais. É uma tendência que pouca gente cumpre, diga-se de passagem. “Quando colocamos metas não realistas, temos uma tendência à frustração”, observa.
“A maioria planeja metas não realistas. E o que acontece? Ao longo do ano, isso vai acumular e gerar uma ansiedade muito grande, entrando num ciclo autodestrutivo. Nas suas metas, você tem que colocar o tempo que dorme, que se alimenta, que está no trabalho… Será que, de fato, conseguirá estudar oito horas por dia se trabalha, por exemplo, de manhã e à tarde?”, indaga.
Outra orientação importante é celebrar as conquistas. “A nossa mente opera por um princípio que chamamos de ‘viés da negatividade’. Ou seja, nós temos a tendência de desconsiderar tudo aquilo que fizemos de positivo e focar nos aspectos negativos. Nesse sentido, você pode dizer ‘Tá bom, eu não cumpri tudo o que planejei, mas tem coisas que eu fiz’”, exemplifica.
É fundamental também praticar a autocompaixão. “Preste atenção no diálogo interno. Normalmente ele é muito cruel. Se a pessoa é sedentária e falta à academia, vai dizer ‘ah, você não tem jeito, é um gordo’. Geralmente somos a nossa companhia mais tóxica. Uma pergunta que sempre faço para os meus pacientes: você seria amigo de você mesmo? Gostaria de ter um amigo que tem os seus pensamentos?”.
Por fim, Brandão salienta a necessidade de entender que o crescimento é lento. “A gente não valoriza as pequenas coisas que a gente faz. Se você mantiver um padrão, mesmo que pequeno, ele vai somando e ficando grande. (Basta lembrar que) aquele grande muro já foi tijolinho. Fazer um pouco de forma constante representa muito”, ensina.
Compartilhe: