A desproporcionalidade entre a quantidade de mulheres que compõem a população e a de representantes femininas em cargos eletivos pode ter justificativas multifatoriais, mas, entre todas as explicações possíveis, a violência de gênero é apontada como uma das mais determinantes por diversas agentes envolvidas com o tema.
Para a pesquisadora Ana Paula Salej, do Grupo de Pesquisa Estado, Gênero e Diversidade da Fundação João Pinheiro (FJP), essa situação se deve à cultura machista que ainda prevalece no Brasil. “Como se espera que a mulher fique em casa, existe uma tensão relacionada ao distanciamento da família, e a isso se somam as consequências das violências, o sofrimento físico, psicológico, o que provoca adoecimento. Consequentemente, as mulheres desistem de concorrer. Às vezes concorrem, mas deixam os mandatos se essa pressão for muito forte. Ou então cumprem os mandatos, mas não buscam a reeleição. Isso gera um dificultador para que os índices de representatividade feminina melhorem”, diz Ana Paula.
No Brasil, a violência política contra a mulher é tipificada pela Lei 14.192/2021 como “toda ação, por meio de conduta ou omissão, que tenha a finalidade de impedir, obstacularizar ou restringir os direitos políticos da mulher”, como as ameaças sofridas nas últimas semanas pelas deputadas estaduais Andreia de Jesus (PT), Beatriz Cerqueira (PT), Bella Gonçalves (PSOL) e Lohanna França (PV) e pelas vereadoras de Belo Horizonte Cida Falabella (PSOL), Iza Lourença (PSOL) e Loíde Gonçalves (Podemos).
Para a deputada Lohanna França, que registrou boletim de ocorrência depois de receber e-mails em que foi ameaçada de morte e de estupro corretivo – desde então ela passou a ser escoltada pela Polícia Militar ininterruptamente –, “a violência política de gênero influencia enormemente” a participação de mulheres em espaços institucionais de poder.
Lohanna explicou que uma das metas de seu mandato é fortalecer as pré-candidaturas para que se tornem candidaturas viáveis e fazer com que mais mulheres ocupem os espaços de poder. “Mas, nas conversas que eu tenho com possíveis pré-candidatas, vemos que, quando percebem o que tem acontecido, elas têm desanimado assustadoramente, porque ficam com medo. Então a gente tem uma situação que de fato desanima outras mulheres de acessar esses espaços”, disse a parlamentar.
Já a vereadora Iza Lourença recebeu pelo menos nove ameaças com o mesmo teor, além de ter tido ameaças contra a filha, de 3 anos. Por esse motivo, ela foi integrada ao Programa de Proteção de Defensores dos Direitos Humanos.
“O que eles querem é que a gente desista, e eu não vou desistir. Ano que vem vou me candidatar à reeleição para continuar trabalhando por Belo Horizonte e tenho feito uma série de cobranças para que nenhuma mulher mais desista de estar na política por causa da violência, para que a investigação chegue ao culpado e responsabilize os autores das ameaças”, afirmou a vereadora.
Além do desfecho para violências já cometidas, a presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-MG, Isabela Damasceno, defende a adoção de medidas preventivas. Ela mencionou os diversos casos de fraude ou descumprimento da política de cotas para candidaturas femininas, o que também contribui para o cenário de sub-representação das mulheres nos espaços institucionais de poder.
“As políticas de contenção, de concessão de anistia, de não criminalizar o descumprimento da cota de gênero são totalmente danosas, porque entende-se que quem não respeitou pode continuar não respeitando. Então precisamos de uma mudança estrutural, que envolva o Judiciário, o Legislativo e o Executivo. Quando a gente coloca o Executivo é porque ele tem essa função de execução das políticas públicas e um aspecto pedagógico relacionado à inclusão de mulheres na política”, explicou a advogada.
Para pesquisadora, intimidação é risco para a democracia
Para a coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem) da UFMG, Marlise Matos, a ausência de mulheres na política não só representa perdas importantes no debate público, mas também é um risco à democracia.
“Quando se estão atacando as mulheres na política, não se estão atacando as mulheres exclusivamente, o que está sendo atacado é o exercício do direito político, é o exercício da própria democracia, do pluralismo dentro da democracia. Essas mulheres têm o direito legítimo, pelo voto popular, de exercer os mandatos e ter uma vida livre de violência. Isso é constitutivo de todo jogo democrático. Então a ameaça, a violência contra mulheres no espaço político é exercida também contra a democracia”, avaliou a pesquisadora.
Ela disse que não vê contradição no fato de Minas Gerais ser o primeiro Estado do Brasil a instituir uma política de combate à violência política contra a mulher, ao mesmo tempo em que tantas parlamentares mineiras enfrentam ameaças por causa da atuação delas.
“Justamente com a evidência desses casos e com a escalada da violência é que elas conseguiram, a partir da visibilidade, do chamamento, do clamor público em torno dessa questão, fazer aprovar o projeto de lei. Agora precisa regulamentar essa política, dar mais passos adiante. Foi sancionado pelo governador e agora precisa ser regulamentado através de um decreto, de uma publicação do governo do Estado, e é preciso haver recursos para viabilizar a implementação do programa”, comentou Marlise.
A Lei 24.466/2023 foi sancionada pelo governador Romeu Zema (Novo) em setembro e cria o Programa de Enfrentamento ao Assédio e Violência Política contra a Mulher. Entre os objetivos está instituir mecanismos de monitoramento e avaliação das ações de prevenção e enfrentamento da violência política contra a mulher, por meio de parcerias entre órgãos e entidades públicos e organizações privadas.
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