DECEMBER 9, 2022

Minas Gerais registra mais de 180 casos de violência nas escolas por mês

Especialistas apontam que resolução do problema passa pelo cuidado com a saúde mental de crianças e adolescentes.

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Foto: Pixabay/Divulgação

“Você nunca sabe o que está na cabeça e na mochila do aluno”. A declaração da presidenta do Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais (SAAEMG), Carolina Andrade dos Santos, ocorre pouco mais de uma semana após um adolescente, de 14 anos, matar um estudante da mesma idade e ferir outros três jovens na saída de uma escola em Poços de Caldas, no Sul do Estado, na última terça-feira (10 de outubro). O caso, porém, está longe de ser isolado. Minas Gerais registrou, de janeiro a agosto, cerca de 184 casos por mês de lesão corporal e agressão nas instituições de ensino públicas e privadas, conforme a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG). Foram, ao todo, 1.474 registros policiais. Números que preocupam: “A escola não pode ser um lugar de medo, mas atualmente é”, diz a coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Denise Romano.

Os dados da Sejusp-MG mostram que as escolas têm sido palco de uma escalada de violência. No ano passado, a média de registros de agressões mensais nas instituições de ensino era 174 — dez a menos do que os números atuais. O governo do Estado anunciou a implementação de diversas medidas para combater o problema, que vão desde o investimento de R$ 48 milhões em um sistema de videomonitoramento e alarme para vigilância e monitoramento remoto até a atuação rotineira da Polícia Militar no ambiente escolar. Porém, profissionais da educação e especialista em segurança são enfáticos: não adianta combater o sintoma, mas, sim, a causa. E a solução passa pela formação e conscientização de crianças e adolescentes.

Mestre em educação, Mariana Cavaca destaca que o cenário atual está sendo construído sobre uma espécie de legitimação dos vários tipos de violência. Embora, nos últimos tempos, discussões contra o racismo, a homofobia, a intolerância religiosa, entre outras, tenham tomado corpo, nem sempre se vê ações que vão além das palavras. Buscar a punição após algo já ter acontecido não é a melhor forma de combatê-lo, de acordo com ela.

“O que realmente temos feito? Apenas chamamos a polícia quando algo acontece ou levamos reflexões para crianças e adolescentes para prevenir e para que boas relações se estabeleçam?”, questiona ela, lembrando que a escola é um retrato da sociedade.

Conforme Mariana ressalta, a violência é uma manifestação trágica de uma necessidade não atendida e é preciso entender qual é essa falta que está mexendo com cada criança e adolescente que decide atentar contra a vida de colegas e professores.

“É preciso investir em diálogo, conexão, empatia, em comunicação e saúde mental. É necessário entender o que gera a raiva, levar os estudantes a terem autoconhecimento. Na escola, se valoriza muito português e matemática e ainda se dá pouco valor à saúde mental e à formação humana”, diz.

Medo e tensão

A preocupação com a saúde mental, porém, vai além da situação pessoal de crianças e adolescentes envolvidos ativamente em atos de violência. Enquanto especialistas em educação afirmam que é preciso tratá-los, do outro lado, professores e demais funcionários de escolas afirmam se sentir isolados na luta para lidar com esses casos e destacam que também se sentem negligenciados quando o assunto é a saúde mental.

“A nossa categoria sofre, se esforça para diminuir o problema sozinha, abandonada. Não temos visto esforços acontecerem. Uma professora que vai todos os dias à escola, que passa por ameaças de massacre, sofre consequências gravíssimas para a saúde mental. Muitas consequências nós não conseguimos nem medir, só vamos entender depois”, diz Denise Romano.

A presidenta do Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais (SAAEMG), Carolina Andrade dos Santos, já trabalhou como auxiliar administrativo em escola e como professora. Ela também destaca a luta dos profissionais para tentar resolver o problema com os recursos que têm às mãos. No entanto, nem sempre eles conseguem vencer essa luta.

“Os funcionários das escolas ficam sujeitos a qualquer situação. Muitos tentam ajudar, ficam mais próximos dos alunos, atuam como ‘terapeutas’, mas não tem muito o que fazer. Escutamos os alunos, percebemos alterações de humor e de personalidade, mas não podemos nos intrometer na vida pessoal dos estudantes, então ficamos reféns da situação”, diz ela.

Conforme a experiência de Carolina, muitos estudantes passam por problemas em casa, além de estarem em uma idade de transição, e acabam se tornando violentos. Isso, muitas vezes, faz com que sejam ‘repelidos’, gerando outros tipos de violência e formando um ciclo sem fim.

“Muitos não respeitam os professores e funcionários, querem se impor, têm uma atitude de autoridade, o que acaba fazendo com que eles não tenham apoio na escola e na família. A situação é estressante. Já tive medo atendendo alunos e conheço professores que temem dar aulas para determinados estudantes. Não sabemos o que está na cabeça e na mochila deles”, conta.

Soluções práticas

Especialista em segurança, Arnaldo Conde afirma que, para lidar com a situação, é essencial treinar alunos e professores para lidar com casos de violência. Além disso, campanhas de conscientização também são um diferencial, segundo ele. “É preciso ações de reflexão para os estudantes, sem causar pânico”, afirma.

Kely Cristina de Moura, coordenadora do Núcleo de Referência na Cultura da Paz do Colégio Santo Agostinho, também acredita que a prevenção é o melhor caminho. Ela afirma que é essencial a união entre a comunidade, a família e a escola.

“É necessário aproximar, estabelecer o diálogo, buscar ações efetivas para diminuir a violência. Sabemos que os seres humanos são violentos; temos que desconstruir isso. É preciso cultivar valores”, diz ela.

No colégio, conforme ela explica, foi criado o Núcleo de Referência da Cultura da Paz, um espaço de escuta para o aluno, onde ele pode levar as suas angústias e onde são cultivadas formas pedagógicas para solucionar o problema.

Além disso, há também uma atividade diária onde funcionários e alunos captam alunos que estão sozinhos no recreio para que eles possam brincar e se sentir bem. “O recreio interativo é para acolher, integrar o aluno. O brincar é um momento de criação de elo e reintegração de grupo”, diz.

Ações do governo

Em nota, o governo de Minas Gerais afirmou que a segurança nas escolas é uma preocupação contínua e que realiza um trabalho frequente de prevenção.

Entre as ações, está o Protocolo de Acesso e Segurança para as Instituições Escolares de Minas Gerais, que exige a identificação e autorização para o acesso de visitantes às escolas, além de criar um contato direto dos gestores e comandos regionais da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG).

No ano passado, também foram investidos R$ 48 milhões para que as escolas da rede estadual pudessem ter um sistema de videomonitoramento e alarme para vigilância e monitoramento remoto, além de sensores de presença com alarmes sonoros.

Já a PMMG atua rotineiramente nas escolas com objetivo de diminuir casos de delitos, agressões e ameaças e, em abril, foi lançada a Operação de Proteção Escolar. A corporação também anunciou a entrega de 127 novas viaturas para o fortalecimento da rede de proteção das escolas.

“O Governo de Minas reforça seu comprometimento de estar sempre aprimorando as ações para garantir a segurança dos nossos estudantes. Estaremos completamente empenhados para garantir a proteção das nossas crianças e adolescentes”, afirmou o governo de Minas.

Relembre casos de violência em escolas

Ao longo deste ano, casos de violência nas escolas viraram notícias em toda Minas Gerais e comoveram o Brasil. Relembre alguns deles.

Ataque e ameaça. Dois estudantes, de 15 e 17 anos, ficaram feridos em uma escola de Barbacena, na região do Campo das Vertentes, em Minas Gerais, no dia 16 de outubro. As vítimas tentavam retirar facas das mãos de duas garotas, de 14 e 16 anos, que ameaçavam matar uma colega de classe. A briga teria começado porque a menina postou um vídeo na internet que as duas não gostaram.

Morto e feridosUm adolescente de 14 anos matou um estudante da mesma idade e feriu outros três jovens na saída da escola em Poços de Caldas, no Sul de Minas, em 10 de outubro. A Polícia Militar foi acionada via 190 e, ao chegar à escola, a corporação encontrou o responsável pelo ataque contido por populares.

Tentativa de esfaqueamento. Um jovem de 19 anos foi preso após tentar esfaquear um colega de 16 anos em uma escola em Virgem da Lapa, no Vale do Jequitinhonha, no dia 9 de maio. Ambos são estudantes do segundo ano do Ensino Médio. O rapaz teria se irritado com frases irônicas e anônimas escritas no quadro.

Agressão com canivete. Um estudante de 14 anos feriu a colega, da mesma idade, com um canivete em uma escola de Baldin, na região Central de Minas Gerais, no dia 24 de abril. O menino disse que era chamado de “cabeção” pela vítima e que por sofrer esses e outros tipos de bullying resolveu cometer o crime.

Bomba. Dois adolescentes de 16 e 17 anos foram apreendidos por explodirem uma bomba em uma escola em Patos de Minas, no Alto Paranaíba, em Minas Gerais, no dia 20 de abril. O barulho da explosão causou pânico em alunos, professores e diretores da instituição.

Mais ameaça. Uma estudante de 14 anos foi apreendida após ter sido flagrada com uma faca, no dia 30 de março, dentro de uma escola em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. A adolescente teria ameaçado duas colegas de 13 anos. Para a polícia, as vítimas contaram que foram ameaçadas após serem acusadas de fazer ‘fofoca’ e de conversar com o ex-namorado da adolescente.

Apologia ao nazismoDuas escolas foram alvos de mensagens de apologia ao nazismo, em Ipatinga, na região do Rio Doce, em Minas Gerais, no dia 8 de março. Um adolescente de 16 anos foi apreendido.

MorteUm adolescente de 14 anos morreu, no dia 6 de março, após ter o pescoço cortado por outro adolescente, de 15 anos, em uma escola na cidade de Nepomuceno, no Centro-Oeste do Estado. Um estilete foi usado como arma. Ele contou que desferiu o golpe por conta de um “desentendimento ocorrido no primeiro dia de aula”.

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