Os casos de stalking – crime de perseguição – cresceram 60% em Minas Gerais de janeiro a junho deste ano em comparação com o mesmo período de 2022. Em mais da metade dos casos, de acordo com dados do Observatório de Segurança Pública da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), a vítima é ex-companheira do autor.
Segundo os dados da Sejusp, em todo o ano de 2022, foram 3.664 casos de stalking, sendo 1.502 entre janeiro e junho. Neste ano, nos primeiros seis meses, foram 2.402, um aumento de 59,9%. Dos aproximadamente 2.400 casos em 2023, em 1.250 (52%) as vítimas eram ex-companheiras dos agressores. Em segundo lugar, um dado curioso: por 301 vezes, o autor não tinha nenhum relacionamento com a pessoa perseguida.
A delegada Cristiana Angelini, da Divisão de Crimes Cibernéticos de Belo Horizonte, explica que o stalking é definido como o ato de “perseguir alguém reiteradamente por qualquer meio, ameaçando a integridade física ou psicológica”. Desde 2021, a prática é considerada crime, já que anteriormente era tida apenas como uma contravenção penal. Atualmente, a pena varia de seis meses a dois anos e, em situações mais graves, como se cometida contra criança, adolescente ou idoso, pode ser aumentada.
“O stalker é alguém que persegue ou monitora uma pessoa de forma repetida e indesejada que vai causar medo e desconforto nessa pessoa. Geralmente também é motivado por uma obsessão e um desejo de controle sobre a vítima. Importante destacar que o stalker pode ter várias formas de comunicação, pode ser o acompanhamento físico ou mensagens de texto, e-mail e redes sociais”, detalhou a delegada. Cristiana considera que essa forma de perseguição obsessiva acontece muito e “cresce a cada dia por meio da internet e outras tecnologias digitais”.
Redes sociais pioram perseguição
Para o detetive Fellipe Augusto, um dos fatores que influenciaram no aumento de 60% nos crimes de stalking no Estado é a confiança na impunidade. Principalmente com a ampliação dos ataques por perfis falsos, que não identificam os agressores. “A impunidade diante desses crimes acaba enfraquecendo as vítimas e facilitando para os stalkers. Na maioria das vezes, as vítimas não sabem como agir e se defender e acabam se silenciando. Quando a pessoa se identifica é mais fácil, o anonimato é um desafio nesse tipo de crime”, analisa.
De fato, segundo a delegada, quando os crimes são cometidos no formato virtual, os autores podem coletar informações pessoais sobre a vítima e, com isso, podem passar a espalhar boatos difamatórios e enviar mensagens ameaçadoras, criando perfis falsos. Cada vez mais, o stalking se apoia nas redes sociais para saber de localização, gostos e rotina das vítimas. “Tudo isso para perturbar a vida da pessoa. A gente sempre fala que é essencial que as vítimas busquem ajuda e denunciem os crimes às autoridades para proteger a segurança e a privacidade”, frisou.
É o caso da Carla*, de 34. Após o término de um relacionamento de sete anos, ela passou a ser perseguida pelo ex-companheiro. Aquilo que começou presencialmente, em casa, no trabalho ou onde fosse, foi parar nas redes sociais, por meio de perfis fake. “Eu e minha família desconfiamos que é ele por trás dos perfis porque ele já enviou mensagens do mesmo tipo se identificando antes. Meu ex andava atrás de mim, me vigiava, mandava mensagem, ligava, ia ao meu trabalho. E, assim que parou, começaram as mensagens”, conta.
Em um dos casos, o homem foi até o trabalho de Carla para gritar ofensas, e seu pai começou a acompanhá-la no serviço para evitar complicações. Mesmo com medida protetiva, ela ainda não conseguiu se livrar dos ataques, agora feitos por mensagens a familiares e amigos. “Os perfis fake não me enviam mais nada, mas se passam por mim. O meu stalker envia mensagens a meus filhos, que são crianças, me colocando como ‘piranha’, destruidora de lares, me difamando de todas as formas. Minha filha recebe que eu não valho nada repetidamente”, continua Carla.
Stalking e perda da segurança
Em algumas mensagens, o stalker da mulher envia fotos dela de costas, andando na rua, em ambientes públicos, sem que ela perceba. “É horrível. Não tenho privacidade há mais de um ano. Ele tira foto minha dentro de casa, no trabalho, sem eu ver. Qualquer lugar que vou, fico olhando, desconfiada, querendo ver se estou sendo vigiada. Me atrapalha no serviço, nas minhas relações pessoais. Eu não consigo me relacionar porque sei que essa pessoa vai ser atacada pelas mensagens também”, lamenta.
* Carla – nome fictício, para proteção da vítima
Crime está relacionado a problema de gênero
O problema de Carla não é isolado. A delegada Angelini reforça que mulheres são vítimas potenciais do stalking, uma vez que são alvo de controle por cônjuges, ex-companheiros e, até mesmo, agressores que não têm nenhum vínculo. “A gente pode atribuir isso à nossa cultura. Uma cultura enraizada ainda machista em que há aquele controle e aquela obsessão do homem pela mulher. É tanto, que 301 casos são de pessoas sem relação”, explicou Angelini.
Ao primeiro sinal de stalking, é importante que a vítima busque proteção e evite um desfecho ruim. “O stalking é crime dentro e fora da internet. O agressor tem uma obsessão tão grande que ameaça a vida da vítima e de pessoas próximas e, se a perseguição não é levada a sério, pode levar a ações concretas. O stalker faz questão de mostrar que vigia todos os passos da vítima. E, em alguns casos, isso leva ao feminicídio”, alerta.
Diferença entre ameaça e stalking
A delegada Cristiana Angelini explica que há diferença entre ameaça e stalking. O stalker, por exemplo, pode não usar de ameaça durante o crime.
“Na ameaça, a pessoa faz uma promessa de um mal futuro. Então a pessoa ameaça como ‘vou te matar’. Já no caso do crime de stalking, não necessariamente a ameaça está incluída, então o stalking ele basta que o agressor vá até onde a vítima está trabalhando, por exemplo, e não diga nada. Ele comparece no trabalho da vítima por duas ou três vezes e não diz nada, ele não faz uma ameaça, não fala uma palavra com a vítima, mesmo assim configura o stalking porque ele tá perseguindo a suposta vítima por várias vezes e ameaçando a integridade psicológica dela invadindo ou perturbando a liberdade ou privacidade dessa vítima”, explicou.
Em casos que envolvam o relacionamento ou em que a vítima more junto ao stalker, regras da Lei Maria da Penha podem ser utilizadas, como a concessão de medidas protetivas.
Como agir no caso de crime de stalking:
Caso perceba que teve a liberdade coagida ou foi constrangida de alguma forma, ainda que psicológica, é necessário ligar um alerta e entender que aquela conduta está errada.
O agressor pode mandar flores ou presentes, o que pode soar como delicadeza, mas na verdade funciona como ameaça e invasão de intimidade.
Sempre se atente ao que acontece ao seu redor e avise aos amigos e parentes se alguma situação anormal acontecer.
Desconfie de alguma situação que não está agradável no psicológico ou no físico. Reporte a alguém superior do trabalho, ao porteiro do prédio, ou algum outro responsável pelo local onde estiver.
Evite andar sozinha se estiver em uma situação de medo.
Denuncie os fatos às autoridades competentes.
Como denunciar
O crime pode ser denunciado tanto para a Polícia Militar, por meio de boletim de ocorrência, e dependendo da situação, ligando 190 e acionando a viatura imediatamente em caso de risco de momento. A denúncia também pode ser feita nas delegacias de Polícia Civil de Minas Gerais.
Dados
Casos de stalking em 2023: 2.402
Relações da vítima com o autor:
Ex-companheira: 1.250
Sem relacionamento: 301
Namorado (a): 188
Ignorada: 130
Amigo (a) ou conhecido (a): 94
Cônjuge: 89
Vizinho: 94
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