Mais de 12.600 habitantes de um pequeno município situado no extremo norte de Minas Gerais – a uma distância de 608 km da capital mineira, Belo Horizonte – têm testemunhado um ritmo de desenvolvimento acelerado da região, de forma jamais vista nas redondezas. O fenômeno está ultrapassando fronteiras e tornando Mato Verde uma cidade conhecida para além das montanhas de Minas. O turismo, o empreendedorismo rural e os cidadãos mato-verdenses são os protagonistas dessa história. Confira a primeira reportagem da série “De Mato Verde para o mundo: o empreendedorismo rural que transforma”.

Repórteres: Dihemeson Faria e Keisi Pinheiro
Edição: Andreia Pereira

Numa região de clima quente e seco, em que o cerrado e, predominantemente, a caatinga dividem espaço, as riquezas naturais e o patrimônio cultural de Mato Verde, no Norte de Minas, são um convite para conhecer e visitar uma nova história, que tem como personagens principais o potencial turístico da região, o papel do empreendedorismo rural e uma população que, não apenas sabe se reinventar, mas resiste às intempéries do tempo e da vida.

Na década de 1980, Mato Verde era conhecido como um dos maiores produtores de algodão do Estado. E por muitos anos, a economia do município era considerada essencialmente agrícola. Entre períodos de abundância e escassez, Mato Verde se transformou. Atualmente, além da agropecuária e da agroindústria de pequeno porte, o setor de serviços e o comércio estão sendo fortalecidos pelo turismo na região.

São vários os pontos turísticos que atraem grupos das localidades próximas e até de outros estados para visitação aos ambientes rurais e urbanos. Foi assim que a natureza e a memória histórica inspiraram a criação do projeto “Roteiro Turístico”. Por meio desse programa, criado pela Prefeitura Municipal de Mato Verde, é disponibilizado, gratuitamente, um guia turístico e um ônibus para percorrer quatro roteiros distintos do município, cada um em um dia da semana.

O programa, pioneiro na região, tem possibilitado que pequenos empreendedores rurais, como o guia turístico Lúcio Roberto Amaral, ganhem destaque pelo serviço prestado e se desenvolvam, como nas próprias palavras do empreendedor, “pelo melhor caminho, que é o empreendedorismo”.

Casa da Cultura: um pedaço do mundo em Mato Verde

Eterno apaixonado por arte, cultura e objetos rústicos, Lúcio Amaral, que possui 64 anos e já viajou por mais de 30 países, viu a oportunidade de empreender ao alinhar a necessidade dos turistas – que não possuíam um lugar para ficar – com seu amor pela história. Foi a partir dessa ideia que, há dez anos, criou a pousada “Mãe do Engenho”. Cinco anos depois, o estabelecimento tornaria uma espécie de museu, chamado de “Casa da Cultura”.

O espaço cultural guarda milhares de objetos e de recordações das centenas de lugares que pôde conhecer mundo afora. Para Lúcio, a Casa da Cultura é a sua verdadeira paixão. “Minhas andanças pelo mundo estão aqui”, afirma emocionado. Peças antigas, dicionários de variadas línguas, búzios do mar Mediterrâneo e uma versão do Alcorão, entre outros artefatos, chamam a atenção dos turistas que frequentam a região. O local é um verdadeiro “pedacinho do mundo” em Mato Verde.

No alto de uma das estantes da Casa da Cultura, Lúcio guarda dois de seus maiores tesouros: uma foto com Santa Dulce dos Pobres, conhecida como irmã Dulce, e um jornal comprado no Vaticano, no dia em que João Paulo II foi ordenado papa. “Eu tive a honra de ver a fumaça branca subindo na capela. Naquele mesmo dia, comprei um jornal que guardo até hoje”, relembra. Com a inclusão da Casa da Cultura na Rota do Turismo, mais pessoas passaram a frequentar o estabelecimento. De acordo com Lúcio, a meta é crescer.

Rota do Turismo: pioneirismo em prol do desenvolvimento rural e turístico

Lançado em novembro de 2021 pela gestão municipal de Mato Verde, o projeto Rota do Turismo visa democratizar o acesso à cultura, ao patrimônio histórico e natural por meio do fomento ao turismo na região. Um guia turístico e um ônibus estão à disposição dos moradores e dos turistas para percorrer lugares distintos da região. A ação acontece em quatro dias da semana. Segundo o ex-prefeito e empresário Oscar Teixeira, idealizador do programa, foram realizados estudos dos pontos turísticos mais importantes da cidade para compor as rotas. “Os mato-verdenses têm orgulho de sua cidade. Por isso, a ideia partiu dessa captação da linha de locais e culturas que os moradores mais têm prestígio, com o intuito que eles próprios propaguem o que temos de melhor”, relata o empresário.

Com o objetivo de construir todo o projeto de desenvolvimento rural e turístico, as secretarias do município se juntaram para realizar treinamentos com todos que participam do roteiro. “Capacitamos todos os envolvidos, desde o proprietário da pousada à produtora do pirão para não só receberem bem os turistas, mas também para venderem seus produtos e oferecerem o melhor serviço que poderiam”, afirma o ex-prefeito.

De acordo com o secretário de Desenvolvimento Econômico e do Turismo  de Mato Verde, Ralfh Camargo, todo o trabalho, além de ser desenvolvido para mostrar o diferencial de Mato Verde e manter viva a história da cidade, tem como finalidade fomentar a comercialização para produtores rurais que fazem parte dessas rotas. “Podemos tomar como exemplo uma produtora que está no ambiente rural e, geralmente, ganha menos de um salário mínimo por mês. Graças ao ônibus que leva os turistas para conhecer nossas experiências, ela teve a oportunidade de tirar R$1.000,00 somente em um dia”, comenta o secretário.

O sucesso da Casa da Cultura também motivou o empreendedor Lúcio para vender pimenta engarrafada. As vendas ajudam a arcar com as despesas da pousada e possibilitam um aumento da renda da família de Lúcio. “Não é muito, mas estou satisfeito com o pouquinho que me traz. O turismo representa muita saudade do passado. Representa muito em minha vida. Também me sinto honrado em poder contribuir com a preservação da história e com a cultura local”, destaca.

Sebrae: parceiro do desenvolvimento

De acordo com dados da Prefeitura de Mato Verde, mais de 1.200 pessoas participaram do roteiro turístico desde a sua recente criação. “Todas as rotas têm visitas a pontos estratégicos para que tenhamos, futuramente, grandes empreendedores na zona rural. É uma ação importante que vem gerando esses resultados positivos para o município, e temos trabalhado cada vez mais para isso em parceria com o Sebrae”, comenta o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Ralfh Camargo.

O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), segundo o analista do Sebrae Minas, Albertino Correia, tem fomentado o empreendedorismo por meio de iniciativas para elevar as potencialidades regionais, entre elas, o desenvolvimento do turismo. “Selecionamos as principais cidades que têm esse potencial turístico de desenvolvimento, entre outras ações, transformando suas qualidades em produtos turísticos, capacitando a população e buscando pessoas que estão em vulnerabilidade social para ensiná-las sobre educação empreendedora”, explica o analista.

Graças à parceria com o Sebrae no fomento ao empreendedorismo, o secretário de Desenvolvimento destaca que Mato Verde se tornou exemplo de visão empreendedora. Camargo conta que é comum outros municípios enviarem representantes para Mato Verde em busca de conhecimentos sobre inovação no campo do turismo e do empreendedorismo rural. “Por meio da Sala Mineira do Empreendedor, Mato Verde tem acesso a todos os serviços que o Sebrae oferece, como consultorias, Empretec, entre outros. A parceria tem sido muito bacana. Tudo que a gente precisa é amparado pelo Sebrae: treinamentos, capacitações, missões e viagens para conhecer e trazer as novidades de outras regiões”, lista o secretário.

A adesão dos empreendedores rurais é notável. Eles têm aprovado a ideia dos treinamentos e das capacitações ofertados em parceria com o Sebrae e não deixam de colocar em prática o que aprendem. “Eles estão aceitando nossa ajuda, claro que no tempo deles, mas estão participando dos treinamentos, recebendo os visitantes sempre com muito carinho e oferecendo os produtos com a melhor qualidade que eles conseguem. A partir desse retorno positivo, sabemos que estamos no caminho certo para desenvolver ainda mais o município”, comenta o secretário Ralfh.

Lúcio, da famosa Casa da Cultura, participou de um recente seminário sobre turismo de bases comunitárias em Serranópolis de Minas. Ele confessa que geralmente não tem paciência para ouvir palestras, mas garante que o seminário do qual participou foi fantástico. “A palestrante falou por três horas seguidas e fiquei sentado todas as três horas, absorvendo o máximo de conhecimento que eu podia. Fiquei tão impressionado que, ao final, levantei para aplaudi-la de pé, pois tudo o que ela disse teve relação com a minha jornada enquanto empreendedor rural. Eu me vi lá”, relata o guia turístico.

É contagiante ver o quanto o turismo, o empreendedorismo, o conhecimento e a adesão das pessoas estão transformando Mato Verde. Os últimos cinco anos mostraram que acreditar no potencial da cidade e da população muda o presente e o futuro. E olha que essa história só está começando.