Por Verônica Pacheco
Da redação
Informar. Verbo que, em momentos como o que vivemos, só perde em importância para outro igualmente indispensável: vacinar. Diante de tantas informações controversas, que confundem a população em um momento crítico, as estatísticas de contaminados e óbitos passaram a ser organizadas e divulgadas por um consórcio independente de veículos de comunicação, demonstrando o papel indispensável da imprensa livre.
As autoridades locais e regionais tem feito o possível para conter a disseminação do vírus, estabelecendo uma série de restrições para impedir o agravamento da pandemia. Desde o dia 17 de março, todas as regiões do estado de Minas Gerais passaram para Onda Roxa, dentro do programa Minas Consciente. Os critérios para enquadramento na fase mais restritiva levam em conta: evolução do número de casos e óbitos, taxas de ocupação dos leitos e de circulação de pessoas.
A prefeitura de Montes Claros, através de sua a procuradoria jurídica, publicou um decreto para regulamentar o lockdown com restrições ainda maiores que as estaduais. Com isso, apenas as atividades consideradas essenciais podem funcionar após as 20h, sendo que os supermercados devem fechar as portas ainda mais cedo, às 19h.
A circulação de pessoas e veículos é restrita entre 20h30 e 5h, exceto para necessidades inadiáveis como risco à saúde, segurança e integridade, sendo necessário apresentar documentos e provas que justifiquem a saída em caso de fiscalização.
Ficaram de fora das regras call centers; agroindústrias, empresas ligadas à agropecuária e indústrias em geral; setor hoteleiro; atacadistas; eventos esportivos de alto rendimento. Mas as bancas de jornais, mesmo com atendimento ao ar livre, fecharam as portas. Pelo menos algumas.
A diferença de tratamento entre atividades do mesmo setor, já que algumas foram obrigadas a fechar e outras não, gerou dúvidas entre os donos de bancas. Eles e outros representantes da imprensa questionam a atuação dos agentes da Guarda Municipal, responsável pela fiscalização do cumprimento do decreto. Isto porque a imprensa é considerada atividade essencial. Para serem lidos, jornais e revistas precisam estar disponíveis para aquisição pelos leitores e muitos deles, ainda precisam ou preferem as versões impressas disponibilizadas nas bancas para se informar.
Papel da imprensa, imprensa de papel
Para o Presidente da Associação dos Profissionais da Imprensa Mineira, Aldeci Xavier, cada setor da comunicação tem sua importância. “Não há uma disputa entre veículos e ferramentas, cada um tem seu alcance, sua importância. No momento em que os decretos governamentais chegam, tem que deixar liberadas todas as etapas, inclusive a ponta”, diz.
O jornalista destaca a importância da manuteção das bancas funcionando, preservadas toda as medidas que assegurem a saúde dos usuários. “A população precisa estar informada do que está acontecendo, essas informações podem auxiliar a população no enfrentamento à pandemia. Nunca ouvi falar que causasse qualquer tipo de tumulto, existe um público tradicional, que tem esse hábito. A banca é uma extensão de um órgão de comunicação que precisa colocar seu produto no mercado”, argumenta.
O jornalista Hélio Machado, diretor do Novo Jornal de Notícias, tem o mesmo entendimento quanto ao critério de interpretação de essencialidade do serviço. “De alguma maneira estão cerceando esse direito dos montesclarenses de ter acesso à informação local que entende ser mais segura. Nem sempre as mídias sociais são usadas da melhor maneira. A pessoa gosta de ler no jornal para ver que se é verdade o que está na internet”, conta.
Em circulação há 32 anos e com uma tiragem de mais de três mil exemplares por final de semana, o jornal tem desde assinantes que recebem o exemplar a domicílio a leitores que ainda cumprem o velho ritual de passar diariamente na banca, mantendo viva essa tradição secular. Machado chama atenção ainda para o aspecto socioeconômico, considerando que muitas famílias têm a banca como única fonte de renda. “É fundamental que as bancas permaneçam abertas. Além do papel relevante e essencial que cumprem, há um aspecto humanitário, pois o ganho é sobre comissão nas vendas, temos que estar sensíveis a isso”, ressaltou o jornalista.
Dúvida e insegurança
A manutenção de algumas bancas da cidade em funcionamento e o fechamento de outras gera ainda mais dúvidas na população. Afinal a responsabilidade por definir quem pode ou não exercer a atividade será feita a critério do agente?
o advogado administrativista, Eduardo Focas, a interpretação do decreto precisa contemplar não apenas a atividade essencial pura e simples, mas todas aquelas necessárias ao seu funcionamento. O próprio decreto assegura que são considerados serviços essenciais, na seguinte classe: telecomunicação, internet, imprensa, tecnologia da informação e processamento de dados, tais como gestão, desenvolvimento, suporte e manutenção de hardware, software, hospedagem e conectividade.
“Nesse sentido, como a imprensa foi classificada como atividade essencial, os serviços prestados pela imprensa em geral devem permanecer abertos, uma vez que não tem razão para priorizar algumas classes e outras não. Como por exemplo, autorizar o funcionamento de emissoras de televisão, autorizar sair de casa o funcionário que limpa o cenário do jornal de televisão, o funcionário que ajusta a câmera do jornal de televisão e impedir o funcionamento de uma simples banca de jornal. Os serviços prestados por todos da imprensa são os mesmos, levar informação a toda sociedade. Sem sombra de dúvidas a banca de jornal também exerce uma atividade essencial”, afirma o advogado.
Bancas de jornais, essenciais ontem e hoje
Elas são cada vez mais raras, mas todo mundo guarda na lembrança como era prazeroso passar na banca. Para levar o jornal do dia com notícias fresquinhas pela manhã, pegar mais um pacote de figurinhas e completar o álbum da seleção, se divertir com um gibi novo que havia chegado ou saber das novidades, ver as fotos e ler as colunas das principais revistas.
Com o avanço tecnológico e a queda do movimento, elas inovaram e incluíram cartões de celular, água e diversos itens do dia dia. Mas no último fim de semana, elas baixaram suas portas após a divulgação do decreto com restrições decorrentes das medidas de contenção do avanço da pandemia.
Em 24 anos vendendo jornais e revistas na cidade, Ivanete Souto, nunca havia fechado seu estabelecimento por tanto tempo. A banca é única fonte de renda da família. Ela discorda que a manutenção das bancas abertas possa representar algum risco relevante para o contágio.“O cliente fica do lado de fora, ao ar livre e nós usamos máscara aqui dentro, limpamos tudo com álcool. As pessoas precisam saber das notícias”, lamenta Ivanete.
Romildo pensa diferente… Ele tem sua banca há 32 anos, quando ainda não havia internet, nem celulares, muito menos smartphones. Ela fica na Praça Dr. Carlos, local que abrigou, de acordo com pesquisa do jornalista e professor, Elpídio Rocha, a primeira banca de jornais da cidade de Montes Claros, no início da década de 1950. Nenhuma das manchetes estampadas nas páginas das últimas décadas poderia descrever cenário tão assustador quanto o de agora.
“Nunca. Por nenhum motivo. Jamais imaginei passar por esta situação, trabalhava feriados e até domingos”, relembra saudoso. Ele conta que muitos leitores ainda preferem a notícia impressa, principalmente aqueles mais idosos, os que gostam de palavras-cruzadas. Ele conta que muitas crianças aprenderam a ler com os gibis. Apesar da tristeza de deixar sua banca fechada após tantos anos, ele aceita resignado. “Se todos obedecerem o decreto, fechando seu comércio e evitando aglomerações, acho necessário para o momento que estamos vivendo”, afirma.
Para instalar uma banca de jornal em praças ou passeios é preciso obter a permissão de uso de área pública junto ao município. Por isso, muitos donos de banca preferiram não se expor com medo de represálias. Em BH, a prefeitura autorizou expressamente o funcionamento na pandemia.
A Revista Tempo entrou em contato com a Prefeitura de Montes Claros pedindo uma posição oficial sobre o assunto. Segundo a assessoria de imprensa, a reivindicação será estudada e levada ao Governo Estadual. “A prefeitura irá fazer uma consulta ao estado para verificar a possibilidade de abertura das bancas”, informou.
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