DA REDAÇÃO
João Valle Maurício fez o curso primário nas Classes Anexas, e o secundário no Ginásio Municipal de Montes Claros, em 1937. Posteriormente, em 1946, diplomou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, hoje UFMG. Ele fez pós-graduação em cardiologia no Instituto de Cardiologia de São Paulo entre os anos de 1952 a 1962. Além disso, foi interno do Hospital PMMG, em Belo Horizonte, sendo depois médico residente e interno da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, onde autuou na área de Urologia.
Ao retornar para Montes Claros, Dr. Maurício foi vereador de 1958 a 1962. Na Câmara chegou a ser presidente e autor do Projeto de Lei que criou o Hino de Montes Claros, de autoria da musicista e professora de música Dulce Sarmento. Durante a atuação no Legislativo, tinha como principais bandeiras a água, luz e educação para todos. Tanto é que foi responsável pela implantação da Companhia de Água e Esgoto de Montes Claros, trouxe a linha de transmissão de energia elétrica de Três Marias e foi um dos responsáveis pela ampliação da rede escolar urbana e rural.
Após o mandato, foi candidato a prefeito, pelo Partido Republicano (PR), porém não foi eleito. Pedro Santos (PTB) se saiu vitorioso. Na eleição, também participaram Mário Ribeiro, como vice de Dr. Maurício, e o capitão Enéas Mineiro (UDN), tendo como vice Luiz de Paula. Dr. Maurício se revelava importante figura na Medicina regional, fator que levou sua nomeação para secretário de Saúde do Estado de Minas Gerais, de 1979 a 1983, período em que o Regime Militar dava as rédeas da política brasileira. Pouco tempo depois, foi convidado para se tornar ministro da Saúde, porém recusou a oportunidade e regressou para a cidade natal.
Ao retornar para Montes Claros, fundou com os médicos Paulo Roberto Velo e Iran Rego o Hospital Prontocor. Na entrada da unidade, a família de Dr. Maurício construiu um busto em homenagem a ele. A frase colocada no monumento desperta reflexão: “A vida é feita de marcas que nos engrandecem e justificam a razão de viver”. As palavras, que rotineiramente eram ditas pelo Dr. Maurício, ratificam as razões pelas quais fez tanto para a Princesinha do Norte e para toda a região. Dr. Iran Rego, um dos sócios do Prontocor, hoje Prontosocor, fala sobre o desejo de criar um hospital com referência em doenças do coração: “A ideia foi minha e do Dr. Paulo ainda em São Paulo, quando estudávamos na USP – Hospital das Clínicas. Voltando para Montes Claros convidamos Dr. Maurício que se associou conosco. Foi o primeiro da região norte- mineira com referência nesse tipo de tratamento.”
O cardiologista conta que, na época da fundação do Prontocor, o Norte de Minas convivia com a endemia de Chagas. Para ter uma base sobre o índice da doença na cidade, eles realizaram uma pesquisa. “Aplicamos a pesquisa em todos os distritos de Montes Claros. Constatamos que 80% da população rural estava infectada pela doença. Um drama real”, relembra o médico Iran Rego. Diante desta triste e preocupante realidade, Dr. Maurício iniciou uma busca incansável para solucionar o problema. “Além de usar a Medicina, também trabalhou politicamente para o combate à Chagas. Vimos isso quando ele foi secretário de Saúde do Estado. Realmente, contribuiu naquilo que podia, para o enfrentamento”, destaca o amigo.
COMBATE À CHAGAS
A Chagas foi descrita pela primeira vez em 1909, pelo pesquisador Carlos Chagas. Daí, o nome da doença, com nome científico de trypanosoma cruzi. Os estudos, que ajudaram a descobrir a endemia, foram feitos na cidade de Lassance, na região central Minas. Na época, muitos operários que trabalhavam na estrada de ferro se contaminaram com o protozoário transmitido pelo barbeiro Após 97 anos da descoberta, a Chagas foi erradicada no Brasil, em 2006. Ao longo da carreira médica, Dr. Maurício foi autor de várias pesquisas sobre o mal, e chegou a apresentá-las em diversos eventos pelo país.
Um dos estudos foi “A doença de Chagas como fator de despovoamento”, apresentado no XI Congresso Anual da Sociedade Brasileira de Cardiologia, em 1954, o qual registrou o processo de deslocamento populacional causado pela doença no estado de Minas Gerais. Além disso, o médico se manteve fiel aliado ao Centro de Estudos e Profilaxia da Moléstia de Chagas (CEPMC), inaugurado pelo Instituto Oswaldo Cruz, em 1943, com sede na cidade de Bambuí, no Centro-Oeste do estado. O pesquisador Emmanuel Dias foi responsável pela mobilização dos médicos do interior e da população no combate à doença.
Em Montes Claros, o Dr. Maurício fez sua parte e manteve boa relação com o instituto. Prova disso, é a citação de uma carta enviada para o Centro de Pesquisa, datada em 20 de novembro de 1955, em que o médico se mostra interessado na busca de medidas de combate à patologia. O conteúdo é lembrado no livro “Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação, 1909 – 1962”, de Simone Petraglia Kropf. “Estou sempre muito interessado no problema da Cardiopatia chagásica, tendo mesmo apresentado alguns trabalhos em congressos e em revistas (…) Tenho procurado através de jornais locais, alertar o povo sobre os perigos e gravidade dessa afecção”, diz o trecho da carta.
FAZENDA LAGOA DO PEIXE
Além da competência, o médico Ivan Rego observa a maneira como Dr. Maurício se relacionava com os funcionários: “Era uma pessoa amável, principalmente com os empregados. Inclusive, eu gostaria de destacar o relacionamento dele com as pessoas mais simples. Na época da fundação do hospital, tínhamos 50 funcionários, todos, sem exceção, gostavam dele. Por causa da atenção que ele dava a cada um.”. Fora do ambiente hospitalar, o comportamento não era diferente. É o que garante o casal Nelson Alves e Ana de Souza Alves. Eles trabalharam 50 anos cuidado das fazendas do Dr. Maurício, principalmente na famosa “Lagoa do Peixe”, cenário bastante lembrado nos livros escritos por ele.
“Quando ele ia na fazenda, já levava os materiais para consultar quem morava lá. Sempre tinha alguém pedindo exames. Eles foram ótimos patrões, bom se todos fossem iguais a ele”, relembra seu Nelson Alves
Nelson morava na fazenda desde os oito anos junto com a mãe, os irmãos, e os tios. Ou seja, várias gerações da família Alves se dedicaram à prestação de serviços nas propriedades do Dr. Maurício. “Quando ele ia na fazenda, já levava os materiais para consultar quem morava lá. Sempre tinha alguém pedindo exames. Eles foram ótimos patrões, bom se todos fossem iguais a ele. Dona Ana é outra que só tem boas memórias: “Morávamos numa casa própria e podíamos receber visitas normalmente. Nossos familiares, principalmente os sobrinhos, sempre iam lá onde a gente morava. Eles brincavam, andavam a cavalo, tiravam leite, divertiam-se bastante. Tratava os meninos muito bem.”
Dona Ana continua: “Ficamos 20 anos entre as duas fazendas, Lagoa do Peixe e São Noberto. Depois que resolvemos mudar para a cidade, Dr. Maurício sugeriu que comprássemos uma casa com o dinheiro do acerto, e assim fizemos. Estamos aqui até hoje. Continuei trabalhando com Dona Milene enquanto pude. Fiquei lá cinco anos, só parei porque não estava aguentando por causa do problema no joelho.” Seu Nelson finaliza com um lamento: “A única queixa que tenho de Dr. Maurício é que ele nos deixou muito cedo.”
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