“Estimado Gabrich. Um abração. Achei linda, pura, preciosa e muito bem vestida de sensibilidade, a sua crônica “Berço e Sepultura”.
O homem nasce e a humanidade o conduz. Somos plumas voando ao sopro das casualidades. Mesmo buscando a realidade, pisando em chão firme, conduzimos uma bonita parcela de levitação. Sei que você tem asas de espiritualidade e, quem te asas, pode voar.
Com amizade, João Valle Maurício”.
Estimado Maurício.
Um abração.
Sensível e envaidecedor o seu recado em forma de cartão.
Por vários motivos de coração.
Não esse órgão que a ciência anatômica o define com oco e muscular, situado na cavidade torácica do corpo humano.
O qual, diga-se de passagem, você aprendeu a conhecer tão intimamente nos bancos acadêmicos e entre as quatro paredes de consultórios de noites indormidas, a socorrer imprevisíveis e letais ataques cardíacos.
Refiro-me àquele outro coração, àquela figura abstrata, invisível aos olhos-matéria, mas visível aos olhos do espírito.
Àquela entidade simbólica que sedia os sentimentos, emoções e a consciência humana, e que hora bate no peito, hora ressoa no cérebro.
E é tão mais evidente e perceptível quanto maior a capacidade da pessoa em ser sensível à natureza divina que há em todo ser humano.
E você, Maurício, sempre foi muito mais versado nas emoções desse coração-poético do que nas teses científicas do coração-matéria.
Não foi por outra razão que você era muito mais popular entre a juventude estudantil de nossa época de colegiais como intelectual e orador eloquente do que propriamente um profissional médico.
Ou que você era muito mais admirado pelo lirismo e romantismo de suas falas do que pelo conhecimento e domínio de avançadas teorias da medicina.
Sempre foi muito difícil dissociar em você o homem-poeta e o homem-médico.
Pois é praticamente impossível dizer até onde vai um e onde começa o outro, pois você soube – e tem sabido – mais do que ninguém, mesclar poesia e medicina num mesmo coração humano, de modo a que um não viva sem o outro e vice-versa.
E quantos corações você curou através da medicina?
E quantos corações você despedaçou por intermédio de seus versos?
Mas, quantos corações você reabilitou e fez renascer com suas rimas, à falta de recursos da ciência?
Não, jovem mestre.
Nem tudo que tem asas voa.
No espaço etéreo do espirito só algumas poucas almas privilegiadas voam.
Como você, poeta-médico-passarinho…
Felipe Gabrich – Jornalista
(PS: Crônica publicada no Jornal do Norte, em 1988, e republicada nesta edição da Revista Tempo, que faz uma homenagem especial aos 20 anos de deselance do saudoso médico e escritor João Valle Maurício)
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