DECEMBER 9, 2022

Dr. João Valle Maurício, por Edgar Pereira

Médico, poeta, seresteiro, escritor e político

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Felicidade Tupinambá – Da Redação

Dr. Mauricio foi médico, poeta, seresteiro, escritor e político. Como amigo dele que foi, o que você destacaria em cada uma destas funções que ele desempenhou?

Edgar Pereira – Todas! 

Dr. Maurício… Nunca deixei de referir-me a ele sem chamá-lo de doutor por respeito e admiração, ele foi bom em tudo. Tudo mesmo. Dedicou a cada uma das paixões com mesma intensidade. Foi assim na medicina, reconhecidamente depois de Chagas o maior conhecedor da doença “tripanossomíase americana”, suas ações foram fundamentais no combate do vetor da doença, o barbeiro.   Na música criou o grupo de seresta que leva seu nome a resgatar as mais belas canções que iluminaram corações apaixonados e almas que suspiram… Foi assim no futebol. Presidente da A.A Cassemiro de Abreu, o mais querido, que, palmo a palmo, disputou com o arquirrival Ateneu a hegemonia do futebol local. Como educador foi um dos fundadores da faculdade de medicina, hoje UNIMONTES, e por vários mandatos seu reitor.

Na política foi presidente do PR, Partido Republicano, vereador e presidente da Câmara Municipal. Escritor de vários livros difundiu a vida e a cultura dos gerais e seus personagens em crônicas gostosas, de fácil, agradável e imantada leitura. Porém, o que o melhor desempenhou foi montes-clarense ser. Amou Montes Claros a cada sístole e diástole de seu coração robusto e sertanejo. Um dos responsáveis pela metrópole que se tornou.

Edgar Pereira

Felicidade Tupinambá – Dentre estas contribuições todas que você enumerou, com qual delas  acha que ele gostaria de ser lembrado pelo povo desta terra que ele sempre amou?

Edgar Pereira – Pela Faculdade de Medicina, FAMED, que com os colegas Mario Ribeiro, Alcides Loyola, Konstantin Cristof, Jason Teixeira, José Remeta, Geraldo Guimarães, fundaram, dirigiram e lecionaram como seus primeiros professores.  Com o tempo tornou-se uma das mais respeitadas escolas do país graças a estes senhores médicos. 

Felicidade Tupinambá –  Você acha que Montes Claros deve a ele alguma homenagem? e qual seria?

Edgar Pereira – A memória se apaga com o tempo e homens como Mauricio e outros ilustres que deveriam ser reverenciados e sempre lembrados, como agora, tornam-se apenas vagas lembranças. É uma injustiça que se faz com aqueles que erguerem o progresso para legar um canto melhor para viver, Maurício foi um deles. Portanto, merece o seu nome ser perpetuado em uma obra pública de porte. Em uma das novas avenidas que Humberto abriu. Por justo.

Felicidade Tupinambá – Você que conviveu com ele poderia nos contar algum caso pitoresco dele , especialmente na política?

Edgar Pereira – Mauricio era um narrador fantástico, seus livros são recheados de casos e causos magistralmente contados que nos incluem presencialmente na teia. Dos muitos ouvidos, a viva voz, um em especial chama a atenção por verdadeiro e por ser parte seu amigo ou adversário, a depender do momento político, Pedro Santos. Contou-me rindo a esperteza de Pedrão: Ambos disputavam a prefeitura de Montes Claros, ano 1962, e valiam de suas profissões, médicos, tinha no atendimento às consultas gratuitas uma fonte de votos certos, razão das constantes visitas aos distritos. 

Informado por amigo que sua situação na zona rural estava péssima e teria muito poucos votos, Maurício tratou logo de corrigir a circunstância. Escolheu o distrito de Alvação para começar a conquista do voto rural. Um amigo e eleitor cedeu a casa e tratou logo de espalhar a boa noticia de que o famoso médico de Montes Claros, o Doutor Maurício,  iria ao distrito visitar e  na oportunidade  atender o povo de graça. Foi um sucesso, a população local e vizinha correu ao consultório improvisado, porém, muito arrumado como exige as boas normas.

Bacia de água limpa, toalha branca, sabonete, álcool e a indumentária nos trinques, jaleco engomado, sapatos brancos limpos, calças vincadas de tão bem passadas e os equipamentos necessários na maleta médica, estetoscópio, o famoso martelinho e o imprescindível aparelho de pressão. Nunca se vira naquelas redondezas um doutor tão alinhado, tão estudado e que falava “bunito dimais”.

Sucesso absoluto. O doutor teve de estender sua permanência até o último cidadão. Pedro Santos alertado correu para apagar o incêndio. Lá chegando logo que chegou, para na praça chamou uns transeuntes e foi logo dizendo: Sou doutor médico deixa eu ver como está sua saúde. Abriu a camisa do cidadão ali mesmo, encostou os ouvidos no peito, mandou o examinado falar trinta e três, tossir, deu umas batidinhas sobre a palma da mão encostada ao peito do freguês, fez o diagnóstico e receitou. Nisso foi juntando gente. Formou-se uma roda grande aí gaiato curioso pergunta e comenta: Teve aqui um dotô notro dia muito bão, cheio de trato. Tinha um aparelhim  ligado nus zuvido  numa mangueirinha preta  presa a dois cabo niquelado  numa ponta e noutra uma caxinha de metal ridondinha qui ele colocava no nosso peitos e ficava ovindo. O sinhô num faz nada disso vai logo metendo os zuvido nos peito da gente pruquê? É que não tenho nojo de vocês, aquele aparelhim é para puder ficar longe de vocês. Explicou. Maurício perdeu. A amizade ficou.

Felicidade Tupinambá – Politicamente ele era do PR- Partido republicano. O que este partido tinha de especial para ter sua filiação? Quem eram os seus companheiros políticos? E seus adversários na política? Você que conviveu com ele poderia nos contar algum caso pitoresco dele , especialmente na política?

Edgar Pereira – Inteligência analítica. O PR era um pequeno partido político entre os grandes, Mauricio nunca aceitaria ser rabo de elefante. Assim, optou pelo PR e o fez, palavras dele, o fiel da balança. O seu apoio ficou importante e independente.

Felicidade Tupinambá – Como foi o desempenho do Dr. João Vale Mauricio na Câmara Municipal e quais as maiores conquistas deste período? Água, luz e educação estavam entre suas prioridades?

Edgar Pereira – Mauricio foi um dos grandes oradores de Montes Claros, senão o maior,  ao lado de Simeão Ribeiro e Crisantino Borém,  as frases fluíam com elegância e externavam sua vasta cultura humanística e prodigiosa memória. Conhecia Montes Claros sua historia e sua gente como ninguém, sabia a origem de cada ramo familiar, suas qualidades e defeitos.  Falava com propriedade.  Mauricio seria um grande parlamentar em qualquer assembléia, municipal, estadual e municipal. E o foi. Sem dúvida seu trabalho para desenvolvimento da educação.

Felicidade Tupinambá –  Como foi o embate político entre ele(PR)  e o vice Mário Ribeiro ,  Enéas Mineiro(UDN) e o vice Luiz de Paula e Pedro Santos (PTB). Nos fale do cenário político em Montes claros nesta época. (1962)

Edgar Pereira – Pedro foi vitorioso. Ele como o meu pai, tinha no povo seu maior aliado, ambos carismáticos e, sobretudo, humildes no trato com as pessoas. Os seus adversários, homens de luta e capazes como o Capitão, que também foi prefeito, Luis de Paula empresário de sucesso e deputado federal, Mário Ribeiro que posteriormente, também, prefeito, Maurício, médico de sucesso, ex- vereador e presidente do PR, todos, expressões significativas na cidade sucumbiram ao apoio popular de Pedrão.

Felicidade Tupinambá – No governo Magalhães Pinto ele foi indicado  reitor da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, hoje UNIMONTES,  e ali implantou o curso de medicina, direito e administração e encampou os cursos de filosofia e letras já existentes. Foi confirmado por outros governos no cargo. Como você avalia a atuação do Dr. João Vale Mauricio reitor?

Edgar Pereira – Maurício foi alçado ao cargo de Magnífico Reitor naturalmente por tudo que havia feito pela educação, foi um dos fundadores da escola de medicina a antiga FAMED, Magalhães Pinto o elevou ao cargo por seus méritos pessoais em 1964 permaneceu na reitoria até 1971. Exitosa, consolidou a instituição e junto a José Geraldo Drumond, os que mais se destacaram o primeiro pela consolidação o segundo pela expansão da instituição.

Felicidade Tupinambá – No governo de Francelino Pereira ele foi escolhido Secretario estadual de Saúde. Como você avalia a atuação dele nesta secretaria. O combate a endemias, especialmente a doença de chagas estava entre as prioridades de sua secretaria?

Edgar Pereira – Francelino Pereira, piauiense aportou aqui através de Edgar Pereira a pedido Magalhães Pinto. Abraçado por Omir Antunes e Edgar Santos aqui fincou os pés. Foi eleito deputado federal pelo Norte de Minas sucessivamente até, por voto indireto, ser eleito governador do Estado. Para homenagear a região escolheu para seu secretariado João Valle Mauricio, então médico de renome, conhecido e respeitado em toda Minas Gerais. Fez-se merecedor do status. Em sua gestão deu prioridade ao combate a endemias principalmente a doença  de Chagas.

Felicidade Tupinambá –  O que você acha da iniciativa da TEMPO em reavivar na memória dos montes-clarenses a figura do Dr. João Vale Mauricio por ocasião da edição comemorativa dos 163 anos da cidade e 20 anos da morte dele?

Edgar Pereira – Elogiável. Muito. Pessoas como Maurício, Luis de Paula, Edgar Pereira, entre tantos, fizeram muito por nós, seus posteriores. Muito se deve a eles. Maurício estava um pouco esquecido, imerecidamente. A Tempo corrigiu, faz justiça. Lá se vão 20 anos de sua estada por estes gerais que tanto amou. Mas, acredito que sua alma vagueia pelas noites de Montes Claros a cantar serestas, tomar um gole de Maluquinha, papear com os amigos ao som de “Amo te muito, como as flores amam, o frio orvalho que o infinito chora” … Montes Caros.

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