DECEMBER 9, 2022


Amor sem tamanho

A paixão sem limites por Montes Claros ganhou nome em 1940: “jucapratismo”. O termo nasceu da adoração do comerciante Juca Prates pela maior cidade do Norte de Minas. Ele não poupava adjetivos para definir a ilustre aniversariante do dia 3 de julho

1 JUCA PRATES

Michelly Oda – Da Redação

Ao longo de 163 anos de história, os filhos de Montes Claros – anônimos ou famosos, legítimos ou adotivos – declararam por inúmeras vezes a paixão e a devoção por essa terra. O orgulho de ter as raízes fincadas aqui, por origem ou destino, alcançou patamares imensuráveis. Esse sentimento de amor desmedido à Princesinha do Norte foi resumido em uma palavra: “jucapratismo”.  O termo faz referência a José Rodrigues Prates Júnior, o Juca Prates. Nascido em 1878, o montes-clarense – filho de José Rodrigues Prates e de Antônia Chaves – foi comerciante, contador, tabelião e juiz de paz. Para ele, não havia melhor lugar no mundo para se viver.

“Jucapratismo” foi uma expressão criada, em 1940, pelo escritor e jornalista Marques Rebelo, membro da Academia Brasileira de Letras, para definir a paixão de Juca Prates por Montes Claros. “Existe uma Montes Claros que nós não vemos, mas que ele vê e, com a sua grande alma, ama com o mais férvido amor”, definiu o sentimento de Prates.

O acadêmico da ABL, que faleceu em 1973, ainda dizia que “se perguntado sobre os bois que passaram aqui no inverno, Juca Prates responderia: 250 mil, quando foram 125 mil no máximo. Se questionado sobre o número de habitantes da cidade, falaria sem titubear: 30 mil, quando seriam 15 mil no máximo.”

O escritor e ex-bancário Wanderlino Arruda, figura ímpar na história, no jornalismo e na cultura de Montes Claros, teve a oportunidade de conhecer Juca Prates.  Arruda chegou à cidade aos 16 anos, em 1951, para estudar no Colégio Diocesano e trabalhou na Imperial Lojas Reunidas, que pertencia a Mercês, filha de Prates. O comércio ficava na esquina das ruas Camilo Prates com Presidente Vargas e vendia artigos de luxo, como cristais e louças, e ainda tinha um ateliê de moda.  Juca Prates ia, todos os dias, à loja da filha, que era casada com o comerciante português Joaquim Correa.

“Os fregueses gostavam muito de conversar com ele, que falava sobre as bonitezas de Montes Claros, de fato era um grande admirador da cidade”, lembra Wanderlino Arruda (Crédito: Solon Queiroz)

Naquela época, o ilustre apaixonado por Montes Claros já era um senhor da terceira idade, com 73 anos. “Ele era alto, bem encorpado e muito elegante, sempre com paletó e gravata. Permanecia sentado e via se nós estávamos trabalhando, era muito observador. Aquela era a forma que tinha de ter contato com o povo. Os fregueses gostavam muito de conversar com ele, que falava sobre as bonitezas de Montes Claros, de fato era um grande admirador da cidade”, lembra Wanderlino Arruda.

Ele continua: “Naquele tempo, o centro da cidade levava outro ritmo, os carros eram considerados artigos de extremo luxo. Deviam ter uns 20, no máximo. A energia da cidade era a motor, piscava e ia embora por volta das 21h. A cidade acabava na Santa Casa, que era a última construção. O final da rua Bocaiuva dava em um matagal. O bairro Roxo Verde tinha pouquíssimas casas. Da Vila Brasília até os Santos Reis era uma distância enorme, as pessoas iam a cavalo. Muitos dos espaços eram mangas, usadas para colocar bois e cavalos. No entanto, para Juca Prates, aqui era o melhor lugar do mundo.”

Perguntado sobre ser ou não um “jucapratista”, Wanderlino Arruda, nascido em São João do Paraíso, reconhece que a alma é montes-clarense, e sem pestanejar afirma: “Costumo dizer que a melhor estrada é a que vem para Montes Claros.” De maneira espirituosa e entre risos, ainda revela:  “Certa vez, o escritor Cyro dos Anjos, com o enorme prestígio que tinha, conseguiu trazer Carlos Drummond de Andrade para cá. Ao chegar e conhecer Montes Claros, o poeta afirmou: “É um bom lugar para construir uma cidade”.

“O inesquecível prefeito Mário Ribeiro – esse era radical – costumava dizer que, para ele, só duas cidades serviam para morar: Montes Claros e Paris. Realmente, o jucapratismo era uma seita de fanáticos”, relatou o saudoso escritor Haroldo Lívio (Crédito: Arquivo Tempo)

Para muitos, a figura ilustre de Juca Prates é apenas conhecida por dar nome a uma rua do centro da cidade. Só que para o saudoso escritor Nelson Viana, Prates era “um livro aberto de toda a história de Montes Claros, testemunha de muitos fatos, descritos ao vivo, em virtude da sua prodigiosa memória, com segurança e honestidade. Filho extremoso desta terra, está sempre pronto a exaltá-la, toda vez que se apresentava uma oportunidade”. 

Nascido em Curvelo, Viana tinha um profundo amor por Montes Claros. Ele escreveu o livro “Efemérides Montes -Clarenses”, que documenta fatos que marcaram a história da maior cidade da região com base em datas. A obra não é apenas uma espécie de diário é, na verdade, um extenso e rico trabalho de pesquisa, que só um “jucapratista” poderia se dedicar a fazer.

O jornalista Felipe Gabrich, lamenta que a rica história da cidade esteja resguardada apenas na memória de algumas pessoas que ainda não se foram e em pouquíssimos registros: “As gerações atuais não conhecem sobre Hermes de Paula, João Vale Maurício, Nelson Vianna, Haroldo Lívio, Coronel Georgino, entre outras figuras importantes para a construção do que hoje é a maior cidade da região. Eram pessoas umbilicalmente ligadas a Montes Claros.” O próprio Haroldo Lívio, citado por Gabrich, pouco antes de morrer, demonstrou a devoção que tinha pela cidade ao dizer sobre “o colorido de pintura renascentista do nosso céu particular”.

“Era um sonhador movido por um amor desmedido”, avalia o jornalista Felipe Gabrich (Crédito: Solon Queiroz)

Em um dos agradáveis textos assinados por Lívio, ele elencou uma lista de “jucapratistas”: “Essa paixão desmedida teve muitos adeptos. Por exemplo, o acadêmico João Valle Maurício, os historiadores Hermes de Paula e Simeão Ribeiro Pires, os jornalistas Lazinho Pimenta e Jair Oliveira, o rotariano João Souto, o poeta Cândido Canela e os espirituosos Zé Amorim e seu pai Pedro foram jucapratistas empedernidos. O inesquecível prefeito Mário Ribeiro – esse era radical – costumava dizer que, para ele, só duas cidades serviam para morar: Montes Claros e Paris. Realmente, o jucapratismo era uma seita de fanáticos. Um dos sectários, o ex-atleta João (Zinho Bolão) da Silva Prates não admite viver em outra cidade nem em sonho.”

O amor dos “jucapratistas” foi responsável por ajudar a manter as tradições, que resistem às intempéries do tempo e das gerações. Defensor da cultura, dos costumes e da gente dessa terra, Hermes de Paula foi um pesquisador e contador da história de Montes Claros. Entre tantos feitos, idealizou e incentivou da Seresta João Chaves, que ajudou a divulgar o nome da cidade Brasil a fora, como bem conta Gabrich: “O grupo de seresta foi cantar para o então presidente Arthur da Costa e Silva. A mulher dele cochichou que ele deveria fazer algo por aqueles músicos talentosos que saíram do sertão de Minas. Sensibilizado, o presidente perguntou ao seresteiro Nivaldo Maciel o que Montes Claros precisava. Nivaldo cantou em poesia que queria o asfaltamento da BR-135, que ligava Curvelo a Montes Claros. E assim foi feito.”  

“O ufanismo de Juca Prates se perdeu no tempo.   Reza a lenda que durante um tempo ele morou em Belo Horizonte, porém ia todos os dias à estação para ver o trem chegando de Montes Claros. Acho que todos nós, e os políticos, deveríamos cultuar mais o “jucapratismo” para valorizar e engrandecer a nossa cidade. Juca Prates queria que as pessoas vissem aqui com os olhos dele, que a imaginava como uma grande metrópole, no centro do mundo. Era um sonhador movido por um amor desmedido”, finaliza Gabrich.

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